Egidio Vaz | Historiador | egidiovaz.com
A SAMIM já se foi. Os ruandeses ficam. Os tanzanianos também ficam. Todos, lado a lado com as forças de defesa e segurança de Moçambique, estão empenhados em eliminar o terrorismo no país. A vinda dos ruandeses foi clara: a sua estadia não era contingente ao tempo, mas à missão. Ou seja, vieram a Moçambique para, de forma efetiva, combater os terroristas. Assim também pensou a Tanzânia. A SAMIM veio a Moçambique, mas, por constrangimentos logísticos, teve de regressar dois anos depois. Podemos aprender com o modelo de cooperação multilateral da SAMIM, mas também aprendemos bastante com a articulação bilateral com a Tanzânia e Ruanda.
Analisei o conjunto de argumentos que alguns intelectuais contrários à presença das Forças do Ruanda em Moçambique utilizam e os agrupei em três categorias:
Primeiro, argumentos da ignorância: Este grupo inclui aqueles que, sem conhecer o contexto específico das relações entre Moçambique e Ruanda na área de Defesa e Segurança, cujo protocolo foi assinado no tempo de Joaquim Chissano, repetem narrativas miserabilistas que refletem os diferendos do Ruanda nas suas relações internacionais. Esses incluem o conflito no Congo, as consequências pós-genocídio de 1994, e "liberdade e democracia no Ruanda". Para este conjunto de argumentos, a resposta de Moçambique tem sido sistemática: Moçambique não compra guerras alheias, dirige as suas relações exteriores com o interesse nacional no coração; Moçambique não se envolve em outros problemas, apesar de advogar pela solução negociada de todos os conflitos. Portanto, a repetição desses argumentos, apesar de barulhenta, não é nem plausível, muito menos séria.
Segundo, argumentos geopolíticos mal interpretados: Este grupo inclui aqueles que compram narrativas estrangeiras para aplicá-las a Moçambique. Existe um mal-estar entre Ruanda e República Democrática do Congo, que expliquei exaustivamente numa publicação em março. Existe também um movimento de oposição a Kagame, que o acusa de perseguir os opositores onde quer que estejam. Existem ainda tensões nas relações entre África do Sul e Ruanda via RDC. Recordo que, durante o mandato do Dr. Tomaz Salomão como Secretário Executivo da SADC (2005–2013), Ruanda tentou submeter a sua candidatura para membro da SADC. O processo decorreu até momentos antes da reunião da Cimeira para a deliberação, que era favorável. Ao aperceber-se disso, a RDC, que estava em dívida de quotas e, por isso, sem direito a voto, tratou de saldar a dívida apenas para vetar a entrada de Ruanda. Isso aconteceu em 2005, no primeiro mandato do Dr. Tomaz Salomão. Dois anos depois, em 2007, Kagame anunciou que jamais tentaria a integração na SADC.
Em maio de 2023, já se sabia que a SAMIM sairia de Moçambique, a julgar pelas sucessivas extensões de curto prazo. Em agosto do mesmo ano, foi conhecida a última extensão. Três meses antes, a SADC, reunida a 8 de maio em Windhoek, estabeleceu a SAMDRC – Missão da SADC para a RDC e a África do Sul disse contribui com 2.900 soldados. Portanto, se o motivo para sair de Moçambique foi logístico, houve dinheiro para ir para a RDC. A mesma SADC! A SAMDRC tem a missão de combater o M23 e é composta por África do Sul, Malawi e Tanzânia, sendo este último também presente em Moçambique.
Talvez fosse útil resumir que a entrada de Ruanda em Moçambique desagradou à República Democrática do Congo devido ao seu diferendo com Ruanda, mas a saída da SAMIM de Moçambique agradou a quem? A Moçambique é que não. Seguramente agradou à República Democrática do Congo. A RDC vingou-se pela segunda vez no fórum internacional. Para um enquadramento histórico, a SAMDRC substituiu as forças da East African Community Regional Force, que, semanas antes de se retirar, foi acusada pelo regime de Kinshasa de aparente relutância em tomar medidas ofensivas contra o M23, apesar do mandato para "derrotar os elementos dos grupos armados no leste da RDC".
Mas, o que é M23?
O M23, refere-se à data de 23 março de 2009 que pôs fim a uma revolta anterior liderada pelos Tutsis no leste do Congo. É o mais recente de uma série de grupos de insurgentes liderados por Tutsis a levantarem-se contra as forças congolesas. O grupo acusa o governo do Congo de não cumprir o acordo de paz para integrar completamente os Tutsis congoleses no exército e na administração do país. Também promete defender os interesses dos Tutsis, particularmente contra milícias étnicas Hutu como as Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR), fundadas por Hutus que fugiram do Ruanda após participarem no genocídio de 1994 que vitimou mais de 800.000 Tutsis e Hutus moderados.
Nestes dias, os rebeldes têm-se aproximado de Goma nas últimas semanas e estão agora estacionados nas colinas fora de Sake, a 25 km de Goma, tendo bloqueado as principais estradas para o norte e oeste da cidade. A captura de Goma seria o seu maior ganho militar em mais de uma década.
O que desencadeou a última revolta?
Em 2012 e 2013, o M23 apoderou-se de grandes partes do leste do Congo e entrou em Goma, um centro económico estratégico, antes de serem expulsos pelas forças congolesas e da ONU para o Uganda e o Ruanda. Em março de 2022, o grupo lançou uma série de ataques e apoderou-se de grandes áreas do leste do Congo, afirmando que a ação era uma resposta defensiva aos ataques da FDLR, que dizia estar a colaborar com o exército congolês. O exército congolês negou trabalhar com a FDLR.
Terceiro, argumentos de medo e ciúmes: A chegada das forças amigas reforçou a capacidade combativa contra o terrorismo em Moçambique. Num período análogo, no Norte da África, os terroristas avançaram e quase tomaram as capitais de Mali, Níger e Burkina Faso. Foi a dificuldade da “ajuda” que recebiam de outros países, maioritariamente europeus, que levou a golpes e contragolpes e colocou no poder governos militares. O modelo adotado por Moçambique é provavelmente o de maior sucesso, avaliando pela forma como o avanço dos terroristas foi contido, sete anos depois. É provavelmente isso que ciúma alguns compatriotas, manipulados pela propaganda internacional que distorce a verdade e nos lança uns contra os outros, desfocando-nos do essencial e da nossa missão de derrotar o terrorismo em Moçambique. Queriam um Moçambique prostrado aos terroristas, do Rovuma ao Maputo, um cenário que para eles seria um “sonho de infância”, ver Nyusi sair do poder com um Moçambique totalmente desintegrado.
Termino com uma palavra de ordem, da época do Presidente Samora: “impermeabilizemo-nos contra as manobras do imperialismo”. Neste caso específico, contra os contra-pátria.