ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
A sociedade moçambicana tem uma história de 'violência’, eu sustentei um “estudo” que há um tempo atrás que é possível escrever a história de Moçambique como uma história social da 'violência'. Agora, é claro que a 'violência' não preenche todo o significado do que é viver nessa sociedade. Agente tem esse lado, vamos dizer assim “trágico”, mas também é uma sociedade de muita solidariedade, de cooperação, de alegria, de festas, então agente não pode achar que o “traço” que nos singulariza é a 'violência', a 'violência' é um “traço” marcante.
Agora, o que nós temos que “prestar atenção” é tentar entender essa ambiguidade, que você 'acena' por um lado para uma solidariedade, para uma cooperação em alguns momentos de comoção nacional e ao mesmo tempo você lida com as “divergências” vamos la dizer com os “conflitos” etc., com a + regular 'violência'.
Eu acho que agente precisaria fazer uma 'observação' importante. É que quando se fala em 'violência' o quê que nós estamos querendo entender com isto. Repare, cada vez + os antropólogos, sociólogos, cientistas sociais, historiadores têm 'mostrado' que violência é um conceito com muitas significações, ou seja, não existe um conceito “universal” que de conta de todos os actos percebido socialmente como 'violentos'.
Então, perceba quando se fala em 'violência' eu sempre fico me perguntando mas…que tipo de violência está falando? Repare, uma coisa são essas 'violências' que ocorrem no mundo do crime o chamado mundo da delinquência: os homicídios, os raptos, as agressões que envolvem a “integridade” da pessoa, a “integridade” física da pessoa, a sua “integridade” moral, a sua “integridade” psíquica, a sua identidade.
Outras coisas são muitas vezes formas muitos “subtis” de 'violência' que são 'violências' simbólicas que acontecem dentro de casa nos ambientes de trabalho e…quê muitas vezes são “objecto” de picuinhas ou de comentários do dia-a-dia e…outros que são muito + subtis, por exemplo, você está numa Pastelaria alguém vem servir o leite, serve primeiro os homens, depois servem as mulheres, você está no machimbombo sentado e não cede lugar para o idoso ou algo de género.
Então, eu diria quê agente precisa sempre 'pensar' que nós estamos lidando com uma sociedade que pratica violência de “diferentes modos” e portanto 'pensar' a sociedade 'violenta' é 'pensar' esse enraizamento da 'violência' , não só, como um meio de 'resolução' de conflitos, mas também nas suas linguagens, nas suas expressões.
Por isso, eu acho quê agente pode “construir” essa historia social desde a Colónia até hoje apesar das mudanças e significados. Por exemplo, as crianças e as mulheres sempre foram “tratadas” com muita 'violência' dentro de casa, só…recentemente é que a 'violência' contra crianças e contra as mulheres dentro de casa tornou-se um problema público; conhecimento e reconhecimento público até muito recentemente era de “esfera privada”.
Então, eu acho quê um dos grandes 'desafios' para nós pesquisadores que trabalhamos com esses temas é 'tentar entender' esse enraizamento social. Por exemplo, o Guilherme Paulo Sérgio Pinheiro, trabalhava com um conceito chamado o autoritarismo socialmente implantado; porquê que ele falava isso. Porque, durante muito tempo as pessoas imaginavam que “autoritarismo” era só do Estado e esse “autoritarismo” se manifestava como “repressão indiscriminada”, violência contra dissidência política nos períodos chamados de “excepção política” durante as ditaduras militares, e quando os regimes recuperavam a sua “normalidade democrática” ou recuperaram o seu Estado de direito a 'tendência' seria uma pacificação geral da sociedade.
Mas… o quê que nós vimos da transição de 19[90] para nossa sociedade. É que nós, e eu me apoio em Severino N’guenha, avançámos muito de ponto de vista das conquistas sociais das Instituições democráticas, participação, representação, reconhecimento de direitos, porém lidamos com a 'violência' como se fosse um dado normal das relações sociais.
Portanto, eu acho que a 'violência' é algo que precisa ser 'pensada', é algo que nos divide e… se é algo que nos divide é algo que “acentua” as igualdades sociais. Por isso, nós temos que “problematizar” a 'violência' também com esse efeito político, quer dizer, lutarmos contra a 'violência' , lutar pelos direitos humanos como uma política geral de protecção de direitos de todos é lutar pela “redução” das desigualdades.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo, aos [6] de Agosto, 20[24]