Uma Holding detida pela Privinvest, Armando Guebuza, Ndambi, Chang, Gregório de Leão e Carlos do Rosário, com sede no Liechtenstein, iria actuar em vários sectores em Moçambique, incluindo a assessoria exclusiva ao Ministério das Finanças.
Já era sabido que a relação entre o antigo presidente Armando Guebuza com o grupo Privinvest foi muito para além de negócios do Estado. Os dirigentes da empresa que vendeu barcos e outros equipamentos ao Governo de Moçambique desenvolveram uma relação, até de afinidade, com Guebuza. Este facto notou-se em vários momentos, como nas mensagens de texto (SMS) trocadas entre Guebuza e Jean Boustani nas quais este chamava aquele de “papá”. Esta semana, no julgamento de Manuel Chang em Nova Iorque, apareceram mais evidências desta relação censurável entre Guebuza, membros do seu governo e a empresa que esteve por detrás da contratação de cerca de 2 mil milhões de dívida, com garantias do Estado moçambicano, dando origem às dívidas ocultas.
Um documento apresentado pelos procuradores durante as alegações finais do julgamento de Manuel Chang em Brooklyn (a que o CIP teve acesso) revela um ambicioso plano de negócios entre a Privinvest, a família Guebuza e outros importantes funcionários do Estado na altura. Trata-se de um projecto para a criação de um Fundo de Investimento no Liechtenstein1, denominado Privinvest Holding Mozambique, que iria actuar em vários sectores de negócios em Moçambique tais como o sector financeiro, imobiliária, petróleo e gás, agricultura, construção naval e até operações de jactos de luxo.
Apesar de estar baseado no Liechtenstein, Europa, a Holding, particpada maioritariamente pela família Guebuza e Privinvst, teria foco da sua actividade em Moçambique. Isto está revelado logo na introdução do documento que começa referindo que “Moçambique é abençoado com uma riqueza de recursos que, no entanto, requerem investimento, financiamento e gestão dedicada para serem desenvolvidos em todo o seu potencial”.
Então, este negócio privado entre a família do Chefe do Estado e do Governo, Armando Guebuza, com empresa que levou o Estado a contrair a maior dívida singular que o Estado moçambicano alguma vez teve, seria para desenvolver o potencial das riquezas de Moçambique. Beneficiando-se do facto de Armando Guebuza ser o chefe do Estado e do Governo, a empresa tinha o plano de actuar através da criação de empresas subsidiárias focadas nas seguintes áreas de actividades:
– Construção naval: aquisição dos estaleiros do INAMAR para criar uma indústria de construção naval e instalações de manutenção/exportação;
– Imobiliária: desenvolver hotéis, edifícios residenciais e de escritórios no mercado imobiliário em expansão em Moçambique, apoiando-se na experiência do Domaine de Barbossi;
– Serviços financeiros: criar um banco comercial e de investimento local para apoiar e beneficiar-se do crescimento da economia moçambicana;
– Logística do sector do petróleo e do gás: trabalhar com a ENH para fornecer financiamento e serviços técnicos às empresas de desenvolvimento de gás;
– Agricultura: numerosas oportunidades de investimento devido à abundância de terras aráveis e de água em Moçambique;
– Aluguer/venda de jactos privados: esta filial irá preencher uma lacuna nos serviços de aviões privados em Moçambique, incluindo o aluguer e a propriedade de aviões VIP, em cooperação com a FAI, que opera uma frota de 21 aviões.
Guebuza e Chang entre os accionistas
O Fundo de Investimento de Liechtenstein, denominado Privinvest Holding Mozambique, teria como principal accionista a Privinvest Holding, a empresa de Iskandar Safa, com 50%. Os outros 50% seriam detidos por um grupo de altos funcionários do Estado que controlavam sectores chave de governação na altura, a começar pelo próprio Guebuza. Entre os 50% dos moçambicanos, Armando Guebuza e o seu filho Armando Ndambi Guebuza teriam 50% das acções, Manuel Chang teria 20%, Gregório Leão José (director do SISE na altura) teria 20% e António Carlos do Rosário (director da Inteligência Económica na altura dos factos) teria 10%.
Com esta estrutura accionista estava garantido que a Privinvest Holding Mozambique tinha todas as condições de fazer lobby para o sucesso dos seus negócios em Moçambique. Aliás, no plano está referido que a Palomar Capital Advisors Switzerland, que seria detida a 100% pela Privinvest Holding Mozambique (com sede em Liechtenstein) iria prestar serviços exclusivos de conselheiros do Ministério das Finanças em Moçambique. Obviamente que este serviço seria remunerado e a sua contratação não estaria sujeita a um procurment público transparente.
“Era plano para ganhar mais dinheiro”
O Departamento de Justiça (DoJ) dos EUA afirma que o plano de negócio entre Guebuza, outros altos funcionários do Estado e a Privinvest era apenas para ganhar mais dinheiro à custa do Estado. Dirigindo-se aos membros do Júri, a Procuradora Genny Ngai afirmou o seguinte:
“… Pearse contou-vos sobre uma reunião (…) que Boustani, o réu (Chang) e Do Rosario tiveram em Setembro de 2013 e essa reunião ocorreu na propriedade de Iskandar Safa, Domaine de Barbossi, no sul da França. E nesta reunião o réu (Chang), Boustani e Do Rosário, os três, tiveram esta ideia para ganhar ainda mais dinheiro. Boustani até diz, “Isto foi o que combinámos com os nossos amigos.” E esta ideia de negócio ou esta ideia, é assim que funcionaria: a Palomar, propriedade de Safa, Pearse e Boustani, concordou em prestar serviços exclusivos ao Ministério das Finanças, que o arguido dirigia. E os serviços que a Palomar ia prestar era para ajudar a angariar dinheiro para esta coisa chamada Fundo Soberano, porque vejam bem – bem, a Palomar era suposto receber 100 milhões de dólares em taxas do Ministério das Finanças e todo esse dinheiro ia fluir para esta empresa chamada Privinvest Holding Moçambique”.
As discussões da criação da Privinvest Holding Mozambique são de Setembro de 2013, segundo revelado nos documentos apresentados no tribunal. No entanto, não andaram porque no ano seguinte Guebuza terminou o Mandato e Nyusi, que o veio substituir não deu continuidade aos projectos das dívidas ocultas e, mais ainda, o escândalo rebentou quando as empresas moçambicanas entraram em incumprimento (default) levando os credores a revelar a existência das dívidas na imprensa.
Nota: ainda não há decisão do júri sobre o julgamento de Chang, cujos membros continuam a deliberar. (CIP)
INTEGRITY – 08.08.2024