Manuel Chang, ex-ministro das finanças, foi condenado, na quinta-feira da semana passada, pelo colectivo de doze membro de júri do Tribunal Distrital de Brooklyn, em Nova Iorque, no processo das dividas ocultas. Manuel Chang era acusado de ter cometido três crime: (1) conspiração para fazer fraude eletrónica; (2) conspiração para fazer fraude com título mobiliários; (3) lavagem de dinheiro.
O júri considerou Manuel Chang culpado de dois crimes, o primeiro e o terceiro: conspiração para cometer fraude eletrónica; lavagem de dinheiro.
Segundo o Direito Processual Penal norte-americano, cabe agora ao juiz determinar a pena correta, quando lavrar a sentença. No sistema norte-americano, o juiz dirige o julgamento, perante o júri (elementos da comunidade que são escolhidos para o efeito), que determinam se o reu é, ou não, culpado dos crimes de que é acusado. Depois o Juiz vai a lei, avalia as agravantes e atenuantes na aplicação da pena e produz a sentença.
O Canal de Moçambique consultou o Processo Penal norte-americano. O crime de fraude eletrónica é definido como sendo a conspiração e execução de qualquer esquema ou artificio para defraudar ou obter dinheiro ou bens por meio de falsidade ou pretextos falsos, representações ou promessas fraudulentas, com transmissão de comunicação escrita, por sinais, imagens ou sons. Ao crime de fraude eletrónica é aplicada uma pena de ate 20 anos de prisão e multa ate um milhão de dólares, nos termos do Artigo 1343.
O crime de lavagem de dinheiro é tipificado como “branqueamento de instrumentos monetários” e é cometido por aquele que se envolve em qualquer operação patrimonial sabendo que o dinheiro é produto de alguma forma de actividade ilegal, ocultar ou disfarçar a natureza, a localização a fonte, a propriedade ou o controle dos rendimentos dessa actividade ilegal. A pena aplicada ao crime de lavagem de dinheiro é de prisão até 20 anos e multa correspondente, que pode chegar ao dobro do valor da operação envolvida na transacção.
No sistema norte-americano, quando o reu é condenado em vários crimes, faz-se aquilo que se chama “cumulo material das penas”, ou seja, a pena final é a soma de todas as penas correspondentes aos crimes pelos quais foi condenado. Ė diferente do caso moçambicano, em que se usa o cúmulo jurídico, o que quer dizer que, apesar de ser condenado por vários crimes, o arguido é condenado a pena final que couber ao crime mais grave, e com as multas correspondentes.
No caso de Manuel Chang, se o juiz levar as questões ate ao extremo, Chang poderá apanhar 40 anos de prisão. Mas isso é muito pouco provável. Alias, essa improbabilidade é confirmada pelo comunicado da Procuradoria Distrital de Nova Iorque, divulgado na quinta-feira da semana passada, 8 de agosto, que está na posse do Canal de Moçambique. Segundo o comunicado, “Chang poderá apanhar uma pena de prisão até 20 anos de prisão”. Isto é uma indicação de que, nos dois crimes pelos quais foi condenado, o juiz poderá decidir aplicar aproximadamente metade da pena de cada um deles.
“O veredito de hoje é uma vitoria inspiradora para a justiça e para o povo de Moçambique, que foi traído pelo reu, um funcionário governamental corrupto e de alto escalão, cuja a ganância e interesse próprio o levaram a vender um dos países mais pobres do mundo”, afirma o comunicado.
O comunicado diz também: “Enquanto servia como Ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang obteve 7 milhões de dólares em pagamentos de subornos em troca de assinatura de garantias para garantir mais de 2 milhões de dólares em empréstimos”.
“O abuso de autoridade de Chang não só traiu a confiança do povo moçambicano, mas o seu acordo corrupto também fez com que os investidores – incluído os investidores norte –americanos – sofressem perdas substanciais nesses empréstimos. A condenação de Chang demonstra hoje que a Divisão Criminal esta empenhada em combater a corrupção estrangeira, em violação da lei de EUA, independentemente de onde estes esquemas ocorram ou quem envolvam”.
Escapou do crime mais grave e da queixa principal
Manuel Chang não foi considerado culpado do segundo crime: conspiração para cometer fraude com títulos mobiliários.
Segundo o Código Penal norte-americano, esse crime da uma pena de 25 anos, ou seja, era a pena mais pesada de todos os crimes de que era acusado. Segundo o Artigo 1348, o crime de fraude com títulos mobiliários é imputado a quem conscientemente executar, ou tentar executar um esquema ou artificio para defraudar qualquer pessoa em conexão com qualquer mercadoria para entrega futura, ou qualquer opção sobre uma mercadoria para entrega futura, ou qualquer valor mobiliário com uma classe de valores mobiliários registadas.
Manuel Chang era acusado inicialmente juntamente com outros oito co-réus: António Carlos do Rosário, Teófilo Nhangumele; os estrangeiros Jean Boustani e Najib Allam, todos da “Privinvest”; Andrew Pearse, Surjan Singh e Detalina Subeva, todos funcionários do “Credit Suisse”.
A acusação não é em relação às dividas, em si, mas em relação à conversão das dívidas em título, que depois foram vendidos na praça norte-americana. Foram os investidores norte americanos que compraram esses títulos que apresentaram queixas contra todos os envolvidos, não na contratação da divida, mas na conversão da divida em títulos mobiliários. A queixa é de que houve burla por defraudação, porque no folheto sobre a conversão dos títulos da divida (da EMATUM), não fizeram referência ao que o remitente dos títulos da dívida (no caso, o Estado Moçambicano) tinha outras dívidas, as da “ProIndicus” e da MAM.
Os funcionários do “Credit Suisse” Andrew Pearse, Surjan Singh e Detalina Subeva fizeram um acordo com o departamento de justiça dos EUA e declararam-se culpados, em troca de delação contra os seus parceiros. Jean Boustani, o único que foi julgado, foi absolvido em dezembro de 2019. António Carlos do Rosário e Teófilo Nhangumele estão presos em Maputo, e cada um deles cumpre uma pena de 12 anos.
Manuel Chang preferiu ficar calado
Durante o julgamento, Manuel Chang decidiu, como estratégia de defesa, não depor no julgamento, ou seja, ficou calado durante as sessões, deixando para os seus advogados e testemunhas a produção de prova.
A tese da defesa de Manuel Chang era muito simples: a conversão da divida de EMATUM em títulos mobiliários e sua posterior colocação no mercado aconteceu em 2016, e nessa altura, ele já não era Ministro das Finanças. A pergunta é: como poderia então ser responsável por factos praticados por Adriano Maleiane? Nas suas alegações finais, Adam Ford, advogado de Manuel Chang, manteve nessa linha de desresponsabilização deste.
“Em primeiro lugar, o governo [dos EUA] nunca apresentou qualquer prova de que o ministro Chang tenha alguma ideia de que o ʽCredit Suisseʼ planeou sindicalizar a divida da ProIndicus. A ProIndicus era apenas um empréstimo directo, mas o ʽCredit Suisseʼ por conta própria decidiu dividir em vários pedaços e vendê-la “, afirmou.
Para fazer entender ao membro do júri, deu o exemplo de um empréstimo bancário normal. “alguns de vocês tem um empréstimo para a sua casa ou um empréstimo para o carro. Deixe-me fazer uma pergunta: quando você obtém a hipoteca da sua casa, você importa-se com o que o banco faz com uma parte do contrato do empréstimo que lhe concedeu? Você importa-se se ele vai dividir esse contrato e vender a outros investidores em desvantagem? Não”, declarou.
Adam Ford disse que Manuel Chang nem sequer sabia que o “Credit Suisse” estava a vender partes do empréstimo a investidores. Um dos compradores dessa divida e que se sente burlado é um fundo, a “Ice Canyon”, com escritórios em Los Angeles.
“Chang não sabia que a ʽIce Canyon, uma empresa de Los Angeles associada a um fundo Irlandês, um dia compraria um pedaço da ProIndicus. Não há nenhuma evidencia disso. Não há provas de que o ministro Chang tivesse alguma ideia de que o ʽCredit Suisse ʼou o VTB estavam a enviar documentos da divida a potenciais investidores”.
Adam Ford disse ao Tribunal que Manuel Chang não redigiu nem fez circular qualquer oferta ou memorando de oferta confidencial. Pelo mesmo se aplica aos títulos da EMATUM. O júri não encontrou culpa na conversão dos títulos, mas considerou que se chegou aos títulos por via da corrupção. Ė aqui onde Manuel Chang é condenado, incluindo na lavagem de dinheiro.
O Canal de Moçambique apurou que muito provavelmente os advogados de Manuel Chang vão recorrer da decisão, tendo como fundamento, os mesmos argumentos usados pelo Tribunal para absorver em junho de 2019, Jean Boustani. Ė preciso recuar aos argumentos de Jean Boustani apresentados em junho de 2019 pelos seus advogados Michael S. Schachter, Randall W. Jackson, Casey E. donnelly e Philip F. Dissanto, advogados da Willkie Farr & Gallagher”. Num documento de quarenta e oito páginas, a defesa de Boustani escolheu uma tese: Boustani poder ter cometido Crime, mas não os cometeu nos EUA, nem para prejudicar Cidadãos norte-americanos. Ele fez pagamentos, em Moçambique e vendeu barcos.
E mais nada. Eis o resumo do argumento central dos advogados de Boustani, extraído do documento da sua contestação, em nossa posse: “o que este caso contra Boustani e outros sete estrangeiros tem a ver com os Estados Unidos? Embora a acusação tenha 46 páginas, em nenhum lugar ela oferece uma resposta real a essa pergunta fundamental. O fracasso da acusação em identificar qualquer nexo significativo entre os assuntos alegados e qualquer preocupação interna nos EUA não implica apenas questões políticas importantes – é fatal por uma questão de lei.
A acusação de Boustani deve ser rejeitada por não declarar uma violação, porque a conduta extraterritorial descrita nas suas páginas está fora do alcance das leis dos EUA que supostamente foram violadas. Boustani é libanês e trabalha para a Privinvest, uma construtora de navios com sede no médio oriente que vendeu embarcações, aeronaves, radares serviços de treinamento e propriedades intelectuais a três empresas estabelecidas e de propriedade conjunta dos Ministérios da Defesa Nacional, Interior, Finanças, Pesca e Serviços de Inteligência e Segurança do Estado da República de Moçambique”.
Depois dos empréstimos terem sido desembolsados e de ter sido pago à “Privinvest’, esses bancos de investimentos europeus converteram e venderam parte da divida moçambicana a fundos de investimento, inclusive a compradores nos Estados Unidos. Segundo a acusação, esses compradores foram induzidos a comprar a divida devido a supostas deturpações nos documentos de empréstimo subjacentes assinados anteriormente pelas empresas moçambicanas, que os bancos Europeus enviaram aos compradores de dívida.
Conversão da dívida em valores Mobiliário
Os advogados de Boustani atacaram a acusação da conversão dos títulos e a sua venda aos investidores norte-americanos dizendo: como a acusação nem mesmo alega o conhecimento do Sr. Boustani sobre as alegadas falsas declarações, certamente falha em alegar que Boustani tentou disseminar essas falsas declarações nos Estados Unidos com o objectivo de causar danos aos cidadãos ou entidades dos Estados Unidos.
De facto, a acusação não contem alegações de que Boustani tinha alguma ideia sobre a quais fundos de investimento os bancos europeus venderiam a dívida, muito menos que o Boustani sabia ou se importava onde esses compradores estavam localizados.
Em resumo, mesmo que todas as alegações da acusação sejam consideradas verdadeiras, simplesmente não há nexo entre as alegadas ações de Boustani e este país. A lei dos EUA não governa o Mundo, e a acusação Boustani, aqui, a milhares de quilómetros da sua família, e os inventos nos quais ele supostamente participou, é ilegal”.
Ė esta a tese que os advogados venderam ao júri, e os membros do júri ficaram convencido, e Jean Boustani foi absolvido. Os advogados de Manuel Chang contavam que o tribunal seguisse a mesma via, porque a queixa principal é a fraude com títulos mobiliário. (Canal de Moçambique/IMN)
INTEGRITY - 15.08.2024