Por Curtis Chincuinha
Resumo
No âmbito das eleições moçambicanas, torna-se evidente um fenómeno preocupante: o aumento do desinteresse eleitoral entre a população. Essa apatia não é atribuída apenas à saturação do processo democrático, mas também representa um sintoma de uma crise mais profunda, que pode ser analisada à luz da crise das narrativas, conforme exposta por Byung-Chul Han. Neste artigo, abordaremos como as narrativas políticas em Moçambique refletem essa crise, contribuindo para o afastamento dos cidadãos do processo eleitoral.
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Byung-Chul Han, em sua obra A Sociedade da Transparência, descreve como a narrativa tradicional, que era carregada de significado e de um senso de comunidade, foi substituída por uma comunicação transparente, mas vazia (Han, 2017). Essa sociedade da transparência é marcada pela exposição constante e pelo excesso de informação, que paradoxalmente leva a uma superficialidade e a um esvaziamento do conteúdo significativo.
No cenário político moçambicano, essa crise de narrativa se manifesta através de discursos que, embora amplamente divulgados e acessíveis, carecem de profundidade e de conexão genuína com as necessidades da população. A política torna-se um espetáculo onde as palavras, por mais presentes que estejam, perdem o seu poder de mobilização e transformação social. As campanhas eleitorais, ao invés de serem momentos de debate profundo e significativo, transformam-se em uma sucessão de slogans e promessas genéricas, que pouco contribuem para a conscientização ou o engajamento do eleitor.
A legislação moçambicana, através de instrumentos como a Deliberação n.º 61/CNE/2013, de 11 de Outubro, que aprova o Código de Conduta dos candidatos e partidos políticos, estabelece regras claras de ética a serem observadas durante as eleições. Este código de conduta é crucial para garantir que o processo eleitoral seja conduzido de forma pacífica, justa e democrática. No entanto, conforme observa Byung-Chul Han, a conformidade com regras legais e éticas não é suficiente para evitar a crise de narrativa. A transparência e a clareza das campanhas eleitorais, embora necessárias, não compensam a falta de profundidade e conexão das narrativas políticas com a realidade dos eleitores.
A Deliberação n.º 1/CNE/2024, de 4 de Janeiro, também desempenha um papel essencial ao regular o financiamento da campanha eleitoral e a divulgação dos resultados das sondagens durante o processo eleitoral. Estas regulamentações, que visam garantir a equidade e a transparência no processo eleitoral, são fundamentais, mas muitas vezes são aplicadas de maneira que acaba por reforçar a superficialidade do discurso político, sem abordar a necessidade de uma narrativa mais significativa e engajada.
Han (2017) aponta que a saturação da informação, quando desprovida de significado, gera cansaço e apatia. No caso de Moçambique, essa dinâmica pode ser vista na crescente taxa de abstenção eleitoral. A população, diante de um discurso político repetitivo e previsível, acaba se desconectando do processo democrático, não por falta de acesso à informação, mas pela falta de narrativas que ressoem com suas experiências e aspirações reais.
Outro ponto crucial na análise de Byung-Chul Han é o papel das redes sociais na disseminação dessa crise de narrativa. As redes sociais, que deveriam potencialmente democratizar o discurso e permitir a emergência de novas narrativas, acabam, muitas vezes, por exacerbar a superficialidade e a fragmentação do discurso político. A lógica das plataformas digitais, que privilegia o imediatismo e o impacto visual, favorece a proliferação de narrativas simplificadas e sensacionalistas, em detrimento de uma discussão mais profunda e substancial (Han, 2017).
Para que Moçambique possa reverter essa tendência de desinteresse eleitoral, é necessário um esforço consciente por parte dos atores políticos para construir narrativas que transcendam a superficialidade da sociedade da transparência. Isso implica em ir além dos discursos genéricos e engajar-se em um diálogo real com a população, onde as suas preocupações e esperanças sejam não apenas ouvidas, mas integradas em uma visão política coesa e significativa. A legislação pode desempenhar um papel crucial nesse processo, mas é necessário que essas normas sejam interpretadas e aplicadas de maneira a incentivar a profundidade e a autenticidade das narrativas políticas.
A crise de narrativa, conforme descrita por Byung-Chul Han, oferece uma lente crítica poderosa para entender o desinteresse eleitoral em Moçambique. A superficialidade dos discursos políticos, refletida na falta de conexão com as realidades dos cidadãos, manifesta-se no crescente desinteresse pelo processo democrático. Para superar essa crise, é essencial que as narrativas políticas em Moçambique se tornem mais autênticas, significativas e conectadas às realidades do povo, promovendo, assim, um engajamento mais profundo e sustentável no processo eleitoral.
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Referências
Deliberação n.º 61/CNE/2013, de 11 de Outubro. Aprova o código de conduta dos candidatos, partidos, coligações de partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores concorrentes às Eleições.
Deliberação n.º 1/CNE/2024, de 4 de Janeiro. Aprovação do Calendário do Sufrágio para as Sétimas Eleições Gerais- Presidenciais e Legislativas- e das Quartas dos Membros das Assembleias Provinciais de 2024.
Han, B.-C. (2017). A sociedade da transparência. Lisboa: Edições 70.
Tollenaere, M. (2000). Democratização em Moçambique: A contribuição das eleições de 1994. Maputo: Centro de Estudos Moçambicanos.
In https://curtischincuinha.blogspot.com/2024/08/narrativas-em-crise-perspectiva-de.html