EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (199)
Presidente, ontem pensei no que disse no seu último informe sobre o estado da nação. Aliás, o seu derradeiro como Presidente da República. O Presidente disse que deixava Moçambique em perfeitas condições, ou seja, que está orgulhoso do trabalho que desenvolveu ao longo de dez anos.
Mas há uma matéria que me inquieta- talvez, até, a muitos moçambicanos de bem. Como é que o Presidente diz que deixa um País melhor, se sequer, em dez anos, mexeu na revisão dos contratos que regulam a actividade dos megaprojectos da indústria extractiva que operam no País?
Esta é uma matéria estruturante da economia nacional, que qualquer Presidente- mesmo o mais incompetente- jamais colocaria de lado. Ao longo dos dez anos deste Governo, ouvimos argumentos tais como a revisão desses contratos poderia desencorajar os investidores. Que argumento! Que falácia! Isto não podia ter sido dito por um Governo lúcido!
Aqui nota-se uma certa preguiça ou, talvez, o argumento serve para acomodar os interesses das nossas elites políticas predadoras. Há exemplos clássicos de multinacionais que foram atribuídas, pelo Governo, concessões enormes de gás e de carvão. E foi a baixo custo. E muitas dessas multinacionais, começaram a vender acções dessas concessões nos mercados bolsistas internacionais, fazendo lucros enormes sem produzirem nada.
Aconteceu, por exemplo, com a australiana Riversdale. Recebeu uma enorme concessão em Benga. Nessa altura, esta corporação estava avaliada em cerca de mil milhões de dólares, O acesso à concessão de carvão aumentou o valor das acções da empresa em oito vezes, sem produzir nada.
Quer dizer, se nós, como País, fossemos sérios nesta matéria, muito provavelmente, não precisaríamos de recorrer a coisas vergonhosas como as dívidas ocultas. Surpreende-me até que tenhamos corrido para criar um Fundo Soberano que, por este caminhar, corre-se o risco de o mesmo ficar sem fundo.
Portanto, o argumento de que “deixo um País melhor”, não surpreende de todo. É antítese de um sistema de governação em que o acesso e o exercício do poder de Estado têm como motivação primária a instrumentalização do próprio Estado, como meio de acesso e apropriação privada dos recursos da colectividade.
Aqui não se governa. O que temos, na verdade, é pura pilhagem. De maneiras que para os que têm acesso aos cofres do Estado moçambicano, revisitando-se ou não os tais contratos, nada muda.
DN – 13.09.2024