Por Tomás Tibana
No dia 20 de Maio do corrente ano de 2024, após acompanhar as batalhas políticas e legais do Engenheiro Venâncio Mondlane que culminaram com a sua declaração como Candidato Presidencial Independente nas eleições de 9 de Outubro que vem, expressei neste mural, publicamente, a minha solidariedade e declarei o que na altura designei por “apoio incondicional” a ele nessa empreitada. Subsequentemente, preenchi a minha ficha de apoio, e selei essa solidariedade indo abraçar-lhe no dia 6 de Junho, quando saiu do Conselho Constitucional onde foi entregar as milhares de fichas com que formalizou a sua candidatura. Após que ele se afastou da Renamo, e na continuidade das relações de amizade e colaboração que vinha mantendo com ele pessoalmente mesmo quando ainda deputado por esse partido na Assembleia da República, ofereci-me (e até insisti) em ajudar-lhe a desenvolver o seu manifesto como candidato presidencial independente, ao que ele acedeu.
Tal como escalreci no programa "De frente com o Povo" da TV Sucesso no dia 12 de Julho passado, a minha associação com este projecto baseou-se fundamentadamente no princípio de participação política apartidária e de exercício de cidadania, para dar corpo às minhas convicções e contribuição para a construção de um Moçambique de progresso. Estou grato ao Engenheiro Venâncio Mondlane por me ter dado essa oportunidade ao aceitar-me como apoiante activo do seu projecto político. Foi extremamente instrutivo para mim trabalhar com ele e com os seus colaboradores na preparação do Pré-Manifesto que serviu de base para as consultas públicas, num acto inédito por sinalizar uma maneira aberta e inclusiva de tratar os assuntos da nação envolvendo ouvindo a todos os cidadãos que queiram contribuir. Foi também extremamente instrutivo trabalhar com ele nas etapas subsequentes até o momento em que o rascunho do manifesto passou para a decisões internas dele com os seus colaboradores editores políticos. Tive a oportunidade de dar a minha contribuição modesta no exercício da cidadania. Espero que as ideias com as quais contribuí sejam de ajuda no debate dos grandes assuntos da nação e na procura das suas soluções.
Mas ao longo deste muito curto espaço de tempo desde 20 de Maio até hoje (13 de Setembro) as circunstâncias mudaram dramaticamente. A plataforma de apoio político que o Engenheiro Venâncio Mondlane formou com a Coligação Aliança Democrática (CAD) para suportar a sua candidatura foi arbitrariamente inviabilizada pela Comissão Nacional de Eleições e o Conselho Constitucional, a]por via de deliberações sobejamente conhecidas e denunciadas por indivíduos e organizações abalizadas em matérias jurídicas incluindo a Ordem de Advogados de Moçambique. Na sequência, determinado a manter a sua candidatura presidencial, o Engenheiro Mondlane estabeleceu acordos através dos quais ombreia com o Partido PODEMOS nas eleições agendadas para 9 de Outubro próximo.
Esta mudança de circunstâncias trouxe elementos que tornam impossível a manutenção do carácter incondicional do meu apoio ao candidato Presidencial Vemâncio Mlondlane, sob pena de castrar a minha capacidade de fazer juízo independente e tomar as minhas posições desinibidas no debate de assuntos importantes que configuram desafios existenciais da nossa muito frágil democracia e dos sonhos que eu tenho sobre o futuro do nosso país. Daí a noção de “linhas Vermelhas” nas minhas escolhas e nos apoios que me dou o direito de canalizar a qualquer político que pretenda dirigir os destinos deste país.
A primeira linha vermelha foi atravessada pelas declarações retrógradas e repudiáveis acerca do papel da mulher feitas por um militante ou dirigente do PODEMOS, tornadas públicas em câmaras televisivas. Essas declarações, que tratam da mulher como um ser inferior, puramente dedicado ao cuidado do homem e à reprodução biológica de força de trabalho familiar, rejeitando completamente a emancipação politica, económica e social da mulher, vão contra os valores que eu defendo, e constituem um ataque inaceitável contra as conquistas (ainda que parcas) que a mulher moçambicana conquistou desde que o nosso pais ficou independente. Foi repugnante ouvir tais declarações de um partido político que pretende dirigir o nosso país, numa fase em que a mulher é vítimas das forma mais repugnantes de violação dos seus direitos perpetrada pelos homens, incluindo a sua escravização sexual e o assassinato.
Esse episódio lembrou-me coisas que eu não nunca quererei ver as minhas irmãs, as minhas filhas e as minhas netas e noras sofrerem. Trouxe para a minha sala de visitas a imagem viva dos protagonistas que estão na origem do sofrimento e sacrifícios que vemos todos os dias na ruas, machambas, e mercados, de mulheres estóicas, apesar de oprimidas. Galvanizou-me para sair em sua defesa, na minha pequenez e insignificância. Fi-lo de uma maneira que se me apresentou construtiva, trazendo para esta minha página (dia 1 de Setembro) um resumo de um diagnóstico demográfico que havia feito e incluído no rascunho do Manifesto do candidato Venâncio Mondlane.
Nesse diagnóstico mostro como um dos desafios existenciais de Moçambique é precisamente demográfico, numa altura em que o país regista 250 nascimentos em cada em 1000 raparigas de 15-19 anos, e em que este número vai aumentar até atingir o pico de 350 em 2030. Estas raparigas deviam estar na escola a prepararem-se para um futuro produtivo e de progresso para elas e suas futuras famílias. Mas vítimas das atitudes retrógradas prevalecentes na sociedade e preconizadas por aquele politico do partido PODEMOS, estão amarradas desde tenra idade, através de casamentos prematuros e multas vezes forçados, à função de objecto de prazer sexual e de reprodução biológica. Para além de isso constituir um ataque aos direitos humanos da mulher, uma das consequências é crescimento dessa faixa populacional à taxa de 5% ao ano (crianças fazendo muitas crianças ao dobro da taxa de crescimento da economia) , atrasando assim a transição para a fase de desaceleração demográfica sem a qual será extremamente difícil o país resolver os desafios de desemprego juvenil e de prestação dos serviços básicos de saúde, educação, sanidade pública à população moçambicana.
Terminei esse post dizendo: “Que haja linhas vermelhas! Não vale tudo!”
Esperava que TODOS (!) os candidatos presidenciais aproveitassem a oportunidade e tomassem posição e se pronunciassem claramente sobre os seus compromissos na matéria dos direitos da mulher e na luta pela sua libertação da opressão a que ela é submetida por muitos homens. O silêncio de TODOS tem vindo a ser ensurdecedor, independentemente de toda a gritaria e dançaria na sua “caça ao voto” das incautas e instrumentalizadas cidadãs.
A segunda linha vermelha é atravessada por um dos compromissos do PODEMOS de “Introduzir Pena De Morte” (sic) tal como está inscrito na página 19 do seu Manifesto. O PODEMOS propõe a “Introdução da pena de morte para crimes de corrupção”, argumentando que isso levará a uma “Redução drástica de crimes de corrupção.”
Não vou aqui sequer esperar que me sejam trazidos os fundamentos e evidência de que a pena de morte possa ter tal efeito. Simplesmente quero lembrar que já tivemos pena de morte em Moçambique (introduzida pela Frelimo depois da independência e abolida em 1990) e que esta foi também usada com esse mesmo argumento (entre outros). Porém, alguns dos maiores corruptos da actualidade neste pais, aqueles que de facto trouxeram a mais recente desgraça económica e social em que o país se encontra, foram mesmo esses que instituíram a pena de morte e a executaram inclusivamente em público e obrigando a população a ir assistir a essas execuções, em autênticos actos de barbárie. É preciso lembrar que nesses anos foram executadas em publico pessoas alegadamente por terem sido apanhadas a atravessar a fronteira com alguns kilos (não toneladas!) de camarão, por ordem de indivíduos que depois enriqueceram a vender cimento contrabandeado das fábricas nacionais e roupa de 2ª mão (vulgo “xicalamiodade”) doada ao país para socorrer as vítimas da guerra civil, levada para países vizinhos em aviões que deviam na altura estar a cumprir outras missões.
Oponho-me à pena de morte não somente pela hipocrisia dos que a apregoam, mas também por uma questão de princípio: direito inalienável à vida! É responsabilidade da sociedade encontrar soluções para os seus problemas sem retirar esse direito a nenhum cidadão.
O que tem isto a ver com a candidatura do Engenheiro Venâncio Mlondlane? Tem muito a ver, porque estando ele num acordo com o POFDEMOS, fica a incerteza de qual é o seu posicionamento em relação a estas (e potencialmente outras matérias) que constituem compromissos daquele partido. Fica-se sem saber que partido tomará o Engenheiro Venâncio Mondlane se (ou quando) chegar ao poder e o PODEMOS no parlamento fizer avançar propostas para implementar esses ideias sobre a mulher e a pena de morte.
Nestas circunstâncias (que são radicalmente diferentes daquelas em que estávamos em 20 de Maio passado ou até o momento em que a plataforma CAD foi inviabilizada e o candidato se aliou ao PODFEMOS), é insustentável o carácter incondicional do apoio que eu publicamente declarei em relação ao Engenheiro Venâncio Mondlane como candidato presidencial independente.
Na realidade as minhas “linhas vermelhas” estendem-se à apreciação que faço de todos os outros candidatos presidenciais e suas plataformas de apoio. Por exemplo, vimos este semana um desfile das proto-aristocracias da Frelimo (clãs Chissano, Guebuza, Machel) em apoio uníssono ao candidato Chapo. E vimso esta semana o Chapo a ir a Chilembene visitar as tumbas dos Machel e dela lá fazer um juramento de fidelidade ao seu passado e tradições. Isso tambem levanta outras incertezas na minha mente em relação ao posicionamento do Chapo em matérias como o legado de ditadura ferrenha e das arbitrariedades a que o Samora Machel presidiu, incluindo a pena de morte, incluindo por fuzilamentos em público, as penas do chicote incluindo também em público, e outras sevicias, também cometidas em nome da moralização da sociedade e do combate à corrupção.
Podem essas proto-aristocracias vir a público jurarem e se sujeitarem a um escrutínio forense independente para aferir as fontes verdadeiras das riquezas que ostentam hoje? Porquê que o Chapo nos seus comícios só fala da corrupção do enfermeiro, do professor, do polícia de trânsito, do “azulinho”, e nunca menciona aquela das dívidas ocultas que desgraçaram o país? Porquê que o Chapo não fala dos crimes cometidos em Namanhumbir onde se extraem os “diamantes de sangue”? Será que as fraudes sistemáticas nos recenseamentos e nas eleições em Moçambique não são crimes de corrupção do sistrema político? Como é que um indivíduo que ainda não fez nada para combater esses crimes, só por fazer esses pronunciamentos banais acerca da corrupção nos é apresentado como honesto e impoluto, quando ele já vem convivendo no meio desse sistema corrupto e mesmo a sua campanha está cheia de sinais de impropriedade no uso de bens públicos e sobre a qual ele mantém um silêncio sepulcral?
Portanto, as minhas linhas vermelhas (valham elas o que valem, na minha insignificância) aplicam-se a todos os candidatos presidenciais. E já preparei e estou preencher a minha tabelinha com quatro colunas, cada uma respectivamente para o Chapo, Ossufo, Simango e Venâncio. Naqueles dois dias de exame de conscência que nos vão dar antes de irmos às urnas, vou fazer as somas e ver quantas linhas vermelhas cada um atravessou. Para mim essas linhas vermelhas contam mais do que as promessas que fazem. Se um candidato presidencial não tem linhas vermelhas, se para ele tudo vale para chegar ao poder, esse para mim não é fiável.
Por isso entenda-se bem o que estou aquí a dizer: estou a declarar a minha liberdade de formar o meu juízo em relação a qualquer candidato presidencial em função das minhas linhas vermelhas.
Não há mais apoios incondicionais.
Não há mais “cheques em branco”.