ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Demonstro aqui simplesmente que a palavra unbuntú vem de três [3] línguas: nʼdébele nʼswaty, shoxa e zulú que são línguas africanas bantas que se podem 'interpretar' como significando humanidade ou como significando do ponto de vista filosófico e antropológico o 'retracto' da cosmovisão do mundo negro-africano.
Por exemplo, tem uma expressão em zulú que é “mwuntú nyagamuntú”, que quer dizer, “uma pessoa é uma pessoa, através de outras pessoas”, logo a origem do ubuntú está na nossa constituição antropológica pelo facto de África ser o berço da humanidade e das civilizações.
Certamente, isso significa que unbuntú tem um aspecto ontológico, tem um aspecto ético, tem um aspecto antropológico e tem um aspecto político, o unbuntú faz uma narrativa da realidade a partir do conflito. Ou seja, o conflito [discordância] é inerente a condição do ser, o conflito é alguma coisa que é insuperado no sentido de que está sempre presente nas relações humanas, contudo o conflito não é motivo de que nós precisamos “destruir” pessoas adversárias.
Destarte, o que o unbuntú nos ensina é, a pensar à necessidade de um esforço colectivo de produção de ética e política, de produção de uma vida em comum; o que unbuntú está nos dizer e/ou ensinado não é que nós vamo-nos sentir bem o tempo todo, que não vamos ter discordâncias; não! Não é isso!
Por exemplo, o filósofo sul-africano, Mogobe Ramose vai nos ensinar que a incerteza, a solidão, as dificuldades, pois isso, faz parte da nossa condição humana, porém o unbuntú é 'reconhecer' que nenhum ser humano tem o conjunto de conhecimento para enfrentar todas as discussões nós, precisamos àquilo que Mogobe Ramose chama de 'poli-diálogo', ou seja, de um diálogo múltiplo e multilateral para que, nós possamos criar outras possibilidades de intervenção e de produção de realidade [s] no país.
Por exemplo, a 'tradução' da ideia filosófica que veicula o unbuntú depende de um contexto cultural a outro e, do contexto político-filosófico de cada pessoa, destarte ubuntú pode ser traduzido para Moçambique nestes termos: “eu só existo, porque nós existimos” e é, a partir dessa 'tradução' que buscamos estabelecer nossas reflexões sobre a nossa existência.
Uma coisa que o ubuntú é, é a 'consideração' dos elementos de perdão, reconciliação e compaixão. Logo, perdoar em unbuntú significa antes de tudo é, a identificação das causas de nossos males; os males que justificam a situação da guerra, que justificam a situação do subdesenvolvimento e de pobreza do país; perdoar no contexto de ética ubuntú significa, também fazer justiça em relação aos homens e as mulheres vítimas de violência e de matanças por razões partidárias e… não só…
Da mesma forma, reconciliação na perspectiva do ubuntú deve ser 'um encontro' entre nós mesmos com o nosso passado de dor, resistência e esperança; reconciliação na perspectiva do unbuntú deve ser 'um encontro' entre nós mesmos como povo; reconciliação no contexto de unbuntú, significa 'esclarecimento perante' o povo dos gravíssimos problemas que afectam o nosso país e a partilha das responsabilidades; reconciliação no contexto de unbuntú é “uma volta” a memória ancestral, aos valores africanos do passado + actualizado no presente e o “seu uso” no exercício de fazer a política na actualidade. Nesse aspecto, a 'legitimidade' dos nossos dirigentes se fundamenta na prática da 'lealdade', na 'busca' do bem-estar do povo e não o contrário. No caso de Moçambique, onde “as sequelas” do conflito ainda nos dividem proporcionando aos cidadãos o acesso aos direitos políticos, económicos, sociais e culturais de forma “diferenciada” devem se servir dos exemplos citados para que o ubuntú se torne uma 'profecia' da esperança cumprida.
Por isso, o unbuntú é um 'tema urgente' em Moçambique onde nós precisamos diante dos conflitos, diante do dissenso e da diferença 'encontrar alternativas colectivas' que possam nos encaminhar não para o consenso, mas para uma convivência saudável e de novas realidades possíveis.
O unbuntú é um axioma político, é um axioma ético, é um princípio ontológico, é um princípio antropológico que clama pela 'pluriversalidade', que nos aponta para 'poli-racionalidade’, ou seja, para racionalidades diversas, para formatos de diversas racionalidades que apontam para necessidade de um diálogo múltiplo, o unbuntú é um sistema filosófico 'policêntrico’, quer dizer, que reconhece que os centros se deslocam, eles se “modificam” e que os arranjos e/ou entendimentos têm que ser sempre refeitos a todo instante.
Por isso, o unbuntú ao contrário das apresentações mirabolantes no sentido às vezes bem-intencionado, o unbuntú é um exercício excelente, é um “convite” para que nós em Moçambique possamos “enfrentar” o dissenso como uma única possibilidade de produção de nova [s] realidade [s], já que, o dissenso faz parte da vida.
Da mesma forma, o conflito é inevitável e nós precisamos para conviver melhor accionar nossas capacidades, as nossas habilidades de entender que é diante das dificuldades que são inerentes a todos nós 'procurar' saídas colectivas quê não se organizam pelo consenso, mas se organizam de modo biocêntrico colocando a vida em primeiro lugar e colocando esforços colectivos múltiplos e relações multilaterais que vão possibilitar caminhos, possibilidades novas, arranjos interessantes para que nós possamos criar nos próximos [32] anos outras formas de fazer política e viver em comunidade.
Assim, cabe “apelar” ao ubuntú como uma nova forma de pensar e fazer política no país nos próximos [32] anos, e… governar e fazer política nesse sentido significa 'ouvir' os opositores presentes em outros partidos políticos, nas organizações da sociedade civil, nas aldeias para a elaboração de um Projecto Nacional Colectivo viável.
Portanto, o unbuntú é um “chamado” é um “convite” a nossa criatividade humana para que possamos viver juntos, ainda que, não pensemos da mesma forma, é isso que o unbuntú nos 'convida' a fazermos no país nos próximos [32] anos.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo, [04] de Outubro 20[24]