Por Damiao Cumbane
No ano de 1982, o Governo de Moçambique recebeu uma oferta da Igreja Católica, na qual esta, se predispunha a negociar a paz com a Renamo. A guerra ainda não era tão sangrenta, como veio a ser, anos mais tarde.
Os guerrilheiros da Renamo ainda não tinham enveredado por barbaridades, como vieram fazer anos depois.
Em Inhambane, concretamente no Distrito de Homoine, os primeiros militares da Renamo que instalaram as primeiras bases nas lagoas de Nhavarre, quando em marchas pelos povoados, eram tratados por "vamwane" ou seja, "os cunhados/ os genros", não faziam mal a ninguém.
Nessa altura o Governo de Moçambique, na voz de Presidente Samora Machel reagiu à oferta de mediação dos Bispos Católicos proferindo um célebre discurso no qual Samora Machel disse que "o Governo/ Frelimo, não poderia negociar com javalis".
Os mais velhos, informados e ainda lúcidos, hão-de estar recordados desse evento. Estava-se em finais de 1982. A Igreja Católica tinha figuras de peso tais como D. Alexandre, D. Jaime, D. Januário. D. Mabuiangue ( desculpem as designações. Podem não ser as de então), entre outros pesos pesados.
Em 1984, Jacinto Veloso entra em cena, na negociação do que veio a ser conhecido como Acordo de Incomati, assinado pelo então Primeiro Ministro do Regime Minoritário e Segracionista da África do Sul, Pieter Botha e pelo Presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel.
O Acordo de Incomati foi entre o Governo de Moçambique e da África do Sul, para acabar com a guerra que estava em curso, em Moçambique, envolvendo o Governo e a Renamo.
Na altura, o Governo de Moçambique fez o Acordo com a RSA para contornar a Renamo, porque ele entendeu e alimentou, na altura, um discurso segundo o qual, "NÃO QUERIA FALAR COM O CÃO, MAS SIM, COM O DONO DO CÃO".
Para o Governo de Moçambique, a Renamo era uma criação dos regimes minoritários da Rodésia do Sul e da África do Sul do Apartheid e, proclamada a Independência do Zimbabwe, o único "dono do cão" ficou a África do Sul portanto, o "o dono do cão" era a África do Sul e, era com esta que se devia negociar o fim da guerra em Moçambique, contornando "os javalis" ou "o próprio cão".
Com o Acordo de Incomati em vigor, a guerra em Moçambique intensificou cada vez mais, ganhando crescentes formas de brutalidade que, no caso do Sul, culminou com os Massacres de Maluana, Taninga/3 de Fevereiro, Manjacaze, Homoine, só para exemplificar.
Quando a guerra entrou num impasse, no qual a Renamo não tinha condições para a vencer e o Governo de Moçambique, de a ganhar, a Igreja Católica voltou a dar-se oportunidade de negociar a paz, com os antigos javalis ou, com o cão, sem se precisar do "dono do cão".
Foi dessa forma que se chegou ao Acordo Geral de Paz de 1992, "falando-se directamente com o cão e não com o seu dono".
De lá para cá, parece que muitos moçambicanos não aprenderam a lição e, os que a aprenderam, rapidamente se esqueceram dela e, nas suas actuações do dia a dia, foram mostrando que não estavam preparados para uma convivência sã e, nisto, o Partido Frelimo, descurando o seu papel histórico, de um movimento libertador, assumiu a liderança de julgar que só é moçambicano de pleno direito e privilégios quem fosse ou se identificasse com a Frelimo.
A Frelimo começou a moldar o país para ela se manter indeterminadamente no poder, contaminou toda a Função Pública, contaminou todas as Forças de Defesa e Segurança, contaminou todas as instituições do Estado, contaminou todo o sistema judicial, moldou a Assembleia da República, moldou a Imprensa, moldou o empresariado nacional, moldou todas as organizações sociais e profissionais, de tal sorte que hoje, aos olhos de qualquer pessoa de diligência média, é difícil ou impossível encontrar o que distingue a Frelimo do Estado, representado pelo Governo de Moçambique.
Tudo se confunde.
Os Funcionários do Estado pensam que só o são porque são da Felimo, os juizes, os procuradores, os empresários pensam que são o que são porque sao da Frelimo.
A Polícia pensa que é Polícia porque é da Frelimo de tal sorte que, lá fora, os Primeiros Secretários do Partido Frelimo dão instruções e mandam nos Comandantes da PRM, nos Governadores, nos Administradores, nos Presidentes de Municipios, nos Directores Provinciais, nos Directores das Escolas, nos Directores dos Hospitais etc, etc e, conduziu-se o país a um estado, actualmente muito perigoso no qual, a crescente repulsa popular à Frelimo, vestir uma camisete ou qualquer símbolo da Frelimo, é sinal de correr riscos.
Que se não tenha ilusões implantadas por pessoas tais como Egidio Vaz, Gustavo Mavie, Gil Aníbal e outros. O que é facto é que nos tempos que correm, a relação entre a Frelimo e a população, está num nível de crise nunca visto.
O subterfúgio Podemos, é apenas uma pequena sombra, por detrás das contestações do Podemos estão milhões e milhões de moçambicanos em grandes desamores com a forma com a Frelimo passou a dirigir o povo.
A situação é de tal perigosidade que, agora, os passageiros de Chapa sabem mandar parar um carro para mandar descer quem tenha trajes da Frelimo; nos subúrbios, passou a ser atitude de risco vestir coisas ligadas à Frelimo.
É por esse andar que a Polícia é vista como sendo Polícia da Frelimo e não uma Polícia da República.
A culpa disso, não é da população.
É da própria Polícia que, sem dar conta, foi desviada e confundida entre o servir os interesses do Estado e o servir os interesses da Frelimo.
Muitos polícias, incluindo os próprios comandantes, muitas vezes, quando são destacados para missões, não sabem ao certo o que estão a ir fazer.
Perante dois grupos, um da Frelimo e um de qualquer outra organização, a Polícia é dada a proteger e dar razão ao grupelho da Frelimo, mesmo este estando em contra-mão e, é nessa senda que, no decurso das eleições, a Polícia virou um instrumento do partido Frelimo, é ela que toma parte activa no enchimento de urnas, no desaparecimento de urnas, no transporte de urnas para destinos e fins obscuros que, no fim, visam satisfazer os anseios do partido ao qual a Polícia presta contas.
É na mesma senda que a Polícia, no decurso das eleições, sente-se mais hábil a retirar da Assembleia de voto um membro de qualquer outra organização distinta da Frelimo e, nunca se ouviu qualquer lamentação de qualquer membro da Frelimo sobre a má actuação da Polícia.
Nunca se ouviu que uma marcha, aglomerado ou manifestação de membros e simpatizantes do Partido Frelimo ou das causas desta, alguma vez tenha sido impedida ou dispersa pela Polícia.
Entre os simpatizantes da Frelimo e a Polícia há uma cumplicidade, uma absoluta sincronização, muito mais perfeita do que a cumplicidade entre uma esposa e o seu marido, entre uma namorada e o seu namorado.
A cumplicidade da Frelimo é da Polícia só se equipara às relações existentes dentro de um determinado motor. As peças agem de forma bem coordenada e sincronizada.
Quem vai ter com a Polícia em nome do partido Frelimo ou identificando-se com ela, é recebido e tratado com a maior amabilidade entretanto, quem for ter com a Polícia e identificar-se com qualquer outra força política ou da sociedade, identificar-se como tendo sido vítima de qualquer pessoa ou acto da Frelimo, a recepção e tratamento do seu assunto hão-de ter contornos distintos. Aí, a Polícia não tem vontade, não tem pressa, não encontra o prevaricador etc.
Na actual crise despoletada pelos fraudulentos resultados eleitorais (eu nunca duvidei que is resultados foram fraudulentos, com vitórias e percentagens inventadas), o Comandante Geral da PRM reuniu com o Presidente do Podemos.
O Comandante Geral disse haver dificuldades em lidar com este, o Podemos, porque este tinha 2 comando, um centrado no seu presidente, Albino Forquilha e outro, centrado no candidato presidencial Venâncio Mondlane.
Ora, é um erro de analise ou de actuação, Bernardino Rafael mostrar-se estar confuso sobre, com quem se deve dialogar ou tratar a actual crise, se é com Albino Forquilha, presidente do Podemos ou, se é com o candidato a este ligado, Venâncio Mondlane.
Bernardino Rafael está a descer em demasia, para níveis inaceitáveis, quando ele aparecer em público e mostrar dificuldades em relação, com quem se deve falar.
Qualquer elemento do povo sabe que o assunto da actual crise eleitoral deve ser tratado com o candidato Venâncio Mondlane e não necessariamente com o Albino Forquilha.
Quem tornou possível o encontro entre o Comandante Geral da PRM e o Presidente do Podemos, foi Venâncio Mondlane.
Ninguém estaria a falar, gritar, lutar pelo Podemos ou em nome deste, se Venâncio Mondlane não tivesse levado a sua magia para este partido e, sobre isto, Albino Forquilha e os deputados que irão à Assembleia da República, em nome do Podemos, deverão estar agradecidos até ao último dia das suas vidas.
Nunca seriam deputados se não fosse a sua aliança que fizeram com o Venâncio Mondlane e, arrisco dizer que, quer dentro, assim como fora do país, as pessoas ou organizações, estão preparadas a apoiar o Podemos até às últimas consequências, enquanto prevalecer a aliança com Venâncio Mondlane, a não ser que, tal como a Renamo nasceu como um grupo fantoche do Regime Minoritário da Rodésia do Sul, mais tarde, emancipou-se e sozinha, foi a Roma negociar o Acordo Geral de Paz.
Oxalá o Podemos consiga essa emancipação perante Venâncio Mondlane entretanto, enquanto essa emancipação não chega, é com Venâncio Mondlane que se deve tratar a presente crise eleitoral.
Como tal, Bernardino Rafael não deve cometer os erros do passado, nos quais o Governo de Moçambique negou a mediação da Igreja Católica a despeito de que não queria conversar com javalis e mais tarde, foi assinar o Acordo de Incomati com a África do Sul para evitar a Renamo.
O Governo de Moçambique não deve procurar contornar o Venâncio Mondlane, na expectativa de encontrar uma solução com o Forquilha e com o Podemos, às costas de Venâncio Mondlane.
Ian Smith, na Rodésia do Sul, também fez o que o Governo de Moçambique veio a fazer com a Renamo.
Ian Smith procurou uma solução fantochada com Abel Muzorewa, para contornar a ZANU-FP e a ZAPU. Na África do Sul, o regime do Apartheid procurou soluções similares com chefes de Bantustões tais como Transkei, Boputatswana, Gazanculo etc, para contornar o ANC e não deu em nada.
Bernardino Rafael é uma pessoa com muita sabedoria e lucidez, como tal, não se deve deixar desprestigiar.
Onde reside o problema, onde se deve ir à busca as soluções e a pessoa com quem se deve dialogar, isso é de domínio de todos.
Para terminar:
O malogrado Elvino Dias, não sei porquê, gostava muito do Bernardino Rafael.
Nas poucas abordagens sobre a política, que eu tive com Elvino Dias, numa conversa telefónica, ele disse-me que Bernardino Rafael é uma pessoa ponderada com que o Podemos, caso vencesse as eleições, iria poder continuar com ele.
Elvino Dias sempre falou bem do Bernardino Rafael e, sempre defendeu que ele, é pelo meio onde está mas, que é boa pessoa. Asseguro que esse é o entendimento com o qual Elvino Dias foi morto a respeitoda figurade BernardinoRafael. Onde Elvino Dias está, se nos ouve, sabe que não estou a inventar nada. Foi da boca dele que eu ouvi esses elogios ao Comandante Geral da PRM.
Só rogo que os assassinos não tenham sido Polícias porque, seria um paradoxo ele ter sido morto por membros de uma corporação cujo comandante era uma pessoa muito bem falada pela vítima.
Mais uma vez, recordar aos meus concidadãos que escrevi sem estar vestido de camisete de qualquer partido político.