EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (205)
Presidente, se descesse do seu palanque e olhasse Moçambique com um par de olhos cedidos por um cidadão comum, o que diria? Condenaria os manifestantes que, por estes dias, insistem em sair à rua, apesar das balas e gás lacrimogéneo da Polícia? Não juntava-se-lhes? É que é, pelos menos para mim, cobardia ficar calado quando se sabe que em Moçambique, mais de 90% da população está empobrecida, mas, entretanto, existe uma minoria, uma classe beneficiada por políticas estatais. E alguns desses ricos apareceram durante a sua gestão, Presidente. E parecem ignorar as mazelas sociais, evidenciadas por pessoas que reviram lixo em busca de comida, enquanto circulam pelas vias esburacadas em veículos importados blindados que podem custar mais de um milhão de dólares.
Como é que explica, Presidente, que os seus filhos ostentem tanta riqueza em viaturas de luxo, enquanto o País debate-se com problemas de transporte público? Sabe quantos autocarros tem, pelo menos, a empresa que sustenta Maputo? Onde é que um rapaz trabalhou para ter tanto dinheiro? E se um único filho seu ostenta tanta riqueza, o que dizer da família inteira? Quem assiste isto calado? Tem ou não razão o povo de ir à rua?
Definitivamente, o povo saiu da concha, onde se recolhera ao longo das últimas décadas, embalado num pacote de promessas que nunca chegaram. Em cada eleição, as promessas renovavam-se. Mas desta vez o povo não se deixou enganar, e o recado do eleitor foi claro: enterrar todo o tirano que o humilhou ao longo dos anos. Se não no cemitério das entidades mortas, pelo menos na gaveta das circunstâncias. É o que estamos a ver. Moçambique recolhe as bandeiras da Frelimo, pelo menos por enquanto, até que novas circunstâncias e o espírito do tempo sugiram a necessidade de voltar a trocar as ferramentas da engrenagem.
PS: Sei o que me aguarda por “ousar” falar- sempre foi assim. Mas haverá algum ganho em calar? Devia dar graxa ao regime? Pão nenhum me faria trocar o discernimento!
DN – 08.11.2024