Por Fátima Mimbiri
Confesso que não estou nada surpresa com o estado de coisas. O nível baixo que chegamos na gestão da crise pós-eleitoral, é revelador da qualidade da governação e do nível de compromisso com o interesse público, por parte do partido que governa.
Ontem vimos o ponto mais alto da nossa degradação. Vimos a violência do Estado. E há que assacar responsabilidades. Não adianta vir com discursos que precipitam conclusões.
O atropelamento não foi acidental. Foi deliberado. Calculado, Irresponsável. Criminoso. Vil. Frio.
A vítima não foi prontamente socorrida por quem a atropelou, que omitiu socorro, porque sequer parou. Apenas atropelou e foi-se. Se não fossem os populares, talvez a situação fosse pior.
O quarto parágrafo do comunicado do Ministério da Defesa é dúbio. Quase lança culpa à jovem Maria pelo acidente. Ora, dizer que os cidadãos devem dar prioridade às viaturas militares, respeitar e observar meticulosamente as medidas de segurança relativamente ao respeito ao código de estrada…. Afinal, qual é o papel da Polícia e das Forças Armadas e Defesa de Moçambique numa situação de protestos populares? É meter-se na estrada destruindo e derrubando tudo o que está a frente?
Do que aconteceu ontem, surgem-me mais perguntas que, se fôssemos um país sério, seriam colocadas e assacadas responsabilidades de forma séria, para nunca mais se viabilizarem abusos de poder/autoridade.
1. Qual era a necessidade de ter militares na rua? O mais grave é que estava ali na Eduardo Mondlane, o grupo de militares que compõem a Força Especial de Resposta Rápida (QRF, sigla em inglês) para actuar na situação de Cabo Delgado. Ou seja, são uma força treinada para responder ao terrorismo em Cabo Delgado.
2. Onde anda a Polícia Militar que as FADM, que está adstrita ao Exército nos termos da alínea l) do nr. 1 do art. 231 do Estatuto Militar das FADM aprovado pelo Decreto nr. 20/2018 de 26 de Abril?
3. Se as QRFs estão em Maputo, o que está a acontecer em Cabo Delgado? A insurgência terminou? As manifestações populares são mais graves, preocupantes que a insurgência? Ou seja, o povo é mais perigoso que os insurgentes que tem armas, catanas, que matam, destroem e violam?
4. A população em Cabo Delgado está mais segura hoje, que se pretere de forças armadas para combater os insurgentes, para colocar a combater os cidadãos que estão zangados por causa do golpe à democracia e que pedem a justiça eleitoral?
Claramente, o governo e a Frelimo não têm nenhum plano para este país. A arrogância, que pode ser reveladora dessa falta de plano ou, na pior das hipóteses, pode derivar da ideia de que são donos do país, mandam no país e podem controlar tudo, está a fazer-lhes perder de vista que o povo finalmente zangou-se. Que o seu modelo de governação é obsoleto. Que os seus discursos já não convencem a ninguém.
Olha, quando as pessoas que no discurso político são os que mais são prejudicadas pelas manifestações, por alegadamente precisarem de trabalhar para sobreviver, não estão preocupadas, porque querem mudanças no país e, por conseguinte, estão dispostos a fazer sacrifícios. Ignorar isso revela o esgotamento da capacidade de análise e criatividade, e o que vemos acontecer no nosso país. É consequência. Mas eu tenho fé que sairemos disto vitoriosos, mais fortes, unidos, livres e prósperos. Somos um povo vencedor e resiliente. Um povo que adormeceu nas feridas da guerra dos 16 anos, que já não doem, como doem as mágoas da exclusão; do desespero causado pela fome, pela sede, pela nudez, pelo medo da violência estrutural, da ignorância, da morte, da escassez do essencial; da desesperança; da degeneração moral imposta; do desprezo; do retrocesso, da denegação do nosso direito ao progresso e à dignidade humana.
PS: Os Moçambicanos que sempre foram considerados um povo pacífico, cansaram-se, estão saturados. Querem ser respeitados. Querem a sua parte no grande banquete, sabido que podem todos comer e ficar saciados, e os gulosos podem repetir até rebentarem a pança. Mas sem que isso prejudique a dignidade e bem-estar de ninguém.