(José Sarney aguarda (até hoje) pelo reconhecimento do seu País a tudo que fez e que nunca chegou a ser oficializado...)
Por Afonso Almeida Brandão
Aos 94 anos, nascido no dia 24 de Abril de 1930, o ex-presidente José Sarney é uma espécie de consultor da República, ouvido e respeitado por quase todas as forças políticas do Brasil. Inclusive da Esquerda mais esclarecida e menos radical.
Depois de uma rica carreira, em que foi Deputado, Senador, Governador do seu Estado, o Maranhão, foi Vice de Tancredo Neves e exerceu o mandato daquele que, eleito, adoeceu no dia da posse e morreu dois meses depois. Coube-lhe o primeiro governo pós-regime militar, ao qual serviu com dedicação como dirigente do Partido no Governo, sempre na Ala Liberal da Arena e do seu sucessor, o PDS. Assim é que foi recebido no partido da oposição de então, o PMDB, e indicado para Vice de Tancredo Neves, o articulador da redemocratização sem traumas. Saiu-se muito bem, governou com habilidade, paciência e tolerância e convocou a Constituinte que formalizou a abertura política. A Carta sofreu uma primeira revisão prevista em 1993 e tem sido alvo de reparos, pois foi feita antes da queda do Muro de Berlim, tendo muitas aberrações considerando o que foi o Mundo de hoje.
Embora esteja a colher os frutos de uma carreira marcada pela cordialidade e inquestionável sabedoria política, Sarney foi por muito tempo alvo da ironia dos denominados “politicamente correctos”, que procuravam desmerecer o seu lado de Escritor, o que nunca deixou de ser desde a sua mocidade. Boa leitura, bom texto, convívio fraterno com grandes intelectuais e a justa chegada à Academia Brasileira de Letras, antes de ser Presidente da República.
Getúlio Vargas foi académico, mas em pleno exercício do mandato, e Fernando Henrique logo depois. Começou a vida como Jornalista, tendo ligação fraterna com génios maranhenses de seu tempo, como Ferreira Gullar, poeta, Josué Montelo, escritor consagrado e também académico, e seu quase irmão Odylo Costa Filho. Por outro lado não nos podemos esquercer que Afonso Arinos Sobrinho, seu contemporâneo na política e mais velho do que Sarney, foi quem viria a defini-lo como «o maranhense que uniu São Luiz, chamada de Atenas pelos intelectuais, a Roma, pela presença política» (sic).
Ainda hoje, sempre que pode, não obstante a idade e a saúde, vai ao Rio para rever académicos. Teve em sua casa a presença de amigos inesquecíveis como o mineiro Oscar Dias Corrêa e o piauiense e aquele que chegou a dizer tratar-se do “seu amigo de toda vida”, o Carlos Castello Branco. Afastado de mandatos, tem dedicado muito tempo aos livros que tanto ama, seja em Brasília ou na sua casa no Maranhão. E tem por Portugal grande estima, tendo feito questão de o visitar quando estava na Presidência do Brasil. Entre os seus amigos queridos, Mário Soares, português, e José Aparecido de Oliveira, que foi seu Ministro da Cultura. A actual Embaixada do Brasil, chancelaria, foi inaugurada por ele numa viagem não oficial a Lisboa. Na ocasião, Mário Soares declarou que era o mais brasileiro dos presidentes de Portugal e Sarney, o mais português dos presidentes do Brasil. Aliás, a embaixada foi adquirida sendo embaixador em Lisboa o seu colega de Academia Brasileira e amigo fraterno Alberto Costa e Silva, grande africanista e identificado com a Cultura Portuguesa.
Uma vida pública como a dele é uma raridade é bom que se diga. Nunca esteve envolvido em falcatruas, nunca perseguiu ninguém, nunca foi grosseiro; o Poder não o deslumbrou. Abrigou no seu Ministério até adversários na política maranhense, como o ex-deputado Renato Archer, cuja amizade com Tancredo respeitou. Chegados aqui temos de reconhecer, a concluir este breve testemunho, que José Sarney infelizmente NUNCA chegou a receber o reconhecimento oficial que fez por merecer por tudo aquilo que fez e representou, enquanto Político, Estadista e Figura das Letras. E apetece-nos deixar aqui a pergunta do porquê desta injustiça inexplicável...