Por João Cabrita
Alexandre Jorge Mano, então desconhece a história de Moçambique? Permita-me que o elucidem.
O governo dirigido pelo seu partido estabeleceu um regime de partido único, perseguindo e prendendo membros da oposição, criando assim condições para revoltas internas. Os primeiros sinais de revolta armada contra o projecto totalitário da Frelimo surgiram na Província da Zambézia durante o governo de transição, revolta essa consubstanciada em 1976 com a formação do Partido Revolucionário de Moçambique de Amós Sumane, ex-membro da Frelimo. O Partido Revolucionário de Moçambique passou a operar não apenas na Zambézia, mas também nas províncias de Tete e Niassa.
As contradições internas na Frelimo desde o período da luta armada prosseguiram depois da independência. Menos de 6 meses após a proclamação da independência de Moçambique registou-se a primeira tentativa de golpe de Estado militar visando derrubar o governo de Samora Machel. Ocorreram outras tentativas de golpe de Estado militar contra o governo de Samora Machel em 1978 e 1982.
Em Cabo Delgado em 25.6.1977, o governo da Frelimo executou sumariamente antigos combatentes das FPLM suspeitos de conspirar contra o governo de Samora Machel. De destacar entre os executados o Comandante Francisco Mutamanga (Ndeio). A política de instauração de um partido único, dito de vanguarda marxista-leninista, caracterizado pelo desrespeito dos usos e costumes da sociedade tradicional - dito feudal, tal como enunciado no Programa do Partido Frelimo -, o desmantelamento da estrutura do poder tradicional, o confisco de terras herdadas ao longo dos séculos, a expulsão de camponeses das suas terras de origem e internamento em aldeias comunais, a perseguição religiosa, a criação de campos de trabalhos forçados na região norte do país, o Estado policial criado pelo governo foram alguns dos factores que viriam dar origem à Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).
Acabado de sair da guerra da independência, e não dispondo de forças armadas convencionais, o governo da Frelimo decidiu apoiar o ZANLA na guerra contra o regime rodesiano para a instauração de um governo democrático no Zimbabwe. O governo da Frelimo impunha assim pesados sacrifícios humanos e financeiros ao povo moçambicano, em nome de um princípio (governo democrático) que negava aos moçambicanos.
Apostou na luta contra o apartheid, expondo assim Moçambique a retaliações militares da África do Sul, tal como sucedera em relação à Rodésia.
Terminada a guerra civil em Moçambique, o governo violou o acordado em Roma com a Renamo. Concretamente, a unificação das forças beligerantes (FPLM-FAM e Renamo) processou-se à margem da reactivação da FIR (Força de Intervenção Rápida) criada em 1982 e que depois do Acordo de Roma passou a operar como exército paralelo, sem a participação da parte signatária do Acordo Geral de Paz (AGP) firmado em Roma a 4 de Outubro de 1992.
As eleições pluripartidárias, livres e transparentes, previstas no AGP, foram desde 1994 organizadas de forma fraudulenta. Essa é a razão dos vários conflitos militares posteriores ao AGP.
Em Cabo Delgado, as elites da Frelimo associaram-se a multinacionais, expulsando cidadãos das suas terras ancestrais e excluindo jovens empresários de zonas mineiras nesta província. Recorrendo à violência que sempre a caracterizou, as forças do governo da Frelimo massacraram aldeões na zona da concessão mineira no Distrito de Montepuez, detida por um antigo combatente e que actuava em parceria com a multinacional Gemfields. A firma de advogados de direitos humanos Leigh Day processou judicialmente perante tribunal de Londres a Gemfields, sócia maioritária da MRM (Mozambique Ruby Mining) por violações graves de direitos humanos na referida concessão. A Gemfields teve de pagar 8.5 milhões de dólares USD às vítimas e familiares dos que foram assassinados.
Na zona litoral da mesma província, as elites da Frelimo, associadas a multinacionais do sector do gás e petróleo, expulsaram camponeses e outros cidadãos das suas terras de origem, o que criou condições para a actual guerra em Cabo Delgado.
Como vê Alexandre Jorge Mano, o governo dirigido pelo seu partido tem uma tradição de conflito marcado por guerras internas e externas. As condições que deram origem aos conflitos militares pós-AGP permanecem intactas, como acabamos de testemunhar por ocasião da gigantesca fraude eleitoral de 9 do corrente.
A Renamo deixou de constituir ameaça militar ao projecto para todos os efeitos práticos totalitários do regime do Partido Frelimo. Mas desde as eleições fraudulentas de Outubro de 2023 até às de Outubro de 2024 assistimos no terreno à ocorrência de tumultos graves que se acentuaram na última batota eleitoral, não obstante os seus cómicos apelos para que regressássemos calmamente aos postos de trabalho, pretendendo assim minimizar a gravidade da situação em vários pontos do país, onde os confrontos entre o aparelho militar do regime da Frelimo e o povo deixou de se circunscrever às zonas rurais como na fase da guerra civil, passando agora a desenrolar-se nos grandes centros urbanos. Uma situação perigosa, de consequência imprevisível.
O Alexandre Mano, tal como outros do seu partido, não medem as consequências dos actos que o regime pratica à margem da lei, em desrespeito dos direitos elementares dos cidadãos. Vivem arraigados à cultura do 1º Tiro, de AK que enfeita a bandeira nacional e que está sempre presente em cada esquina do país. Para vocês ir às urnas é um acto de guerra, por isso isso desdobram no terreno o vosso exército paralelo. Com falta de visão - ou melhor, com vistas curtas - não tomam consciência das repercussões no estrangeiro do uso abusivo de força, na utilização de armas de fogo durante manifestações pacíficas testemunhadas e registadas no terreno por correspondentes de cadeias de televisão internacionais.
Por mais argumentos vazios que o Alexandre Mano queira esgrimir, o facto é que a natureza fraudulenta das eleições está comprovada - e confirmada por sectores da própria Frelimo como repetidas vezes lhe fiz ver.
Os crimes políticos, como os que vitimaram Elvino Dias e Paulo Guambe há menos de uma semana, servem para confirmar que a política de eliminação física e do amordaçar de figuras da oposição permanece intacta. Por altura do governo de transição silenciaram, amordaçaram e depois assassinaram figuras como Adelino Gwambe, Uria Simango, Paulo Gumane, Joana Simião, Lázaro Kavandame, Mateus Gwengere e dezenas de outras. Esta prática prosseguiu. Os já citados casos de Francisco Ndeio e outros assassinados em Cabo Delgado em 1977, são o percurso que se estendeu a outros pontos do país nas fases de processos eleitorais fraudulentos. A título de exemplo, o assassinato de Anastácio Matavele nas vésperas da fraude eleitoral de 2019.
Que estabilidade o Alexandre Jorge Mano deseja para os moçambicanos? O Alexandre Jorge Mano e os seus correligionários, as elites das empresas coligadas ao poder político e apostadas numa política de exclusão económica, desejam paz? Pretendem explorar em paz as riquezas do país em regime de "socialismo esquemático", já que o socialismo científico teve de recorrer ao grande capital ao qual hipotecaram o país? Pretendem que Moçambique seja apontado no estrangeiro como Estado falhado ", país a "soldo de narcotraficantes" e de "lavandaria de dinheiro" de origem dúbia?
Como diria Manuel, ex-Bispo de Nampula : "Se queres a paz, elimina as causas da guerra."