O silêncio da noite em Moçambique não é mais o mesmo. Ele foi quebrado por um som que reverbera em todas as direcções: panelas batendo com força, em protesto. Essas noites ensurdecedoras são, na verdade, um eco de décadas de desigualdade, fome e promessas não cumpridas. Afinal, de que vale a riqueza de uma nação quando a maioria do povo dorme com o estômago vazio?
No centro desses “panelaços” está a luta por algo mais do que justiça eleitoral: é a exigência de dignidade. Panelas que, durante o dia, deveriam servir para preparar refeições, à noite são transformadas em armas de revolta. Mas por trás desse gesto há algo ainda mais profundo: o desespero. Muitos que protestam não têm o que colocar nessas panelas; elas estão vazias, assim como as promessas de nossos líderes.
Moçambique é uma terra abençoada com recursos naturais abundantes. Temos gás natural, carvão, rubis e solos férteis. Mas por que essas riquezas não alcançam o povo? Enquanto alguns contam lucros astronómicos, a maioria dos moçambicanos conta migalhas. É um paradoxo cruel: um país rico habitado por pessoas empobrecidas. O som das panelas, então, torna-se não apenas um grito por eleições justas, mas um clamor por uma redistribuição justa do que nos pertence por direito.
E o que dizem os líderes? Nos grandes palcos internacionais, falam de progresso, de um Moçambique que garante três refeições por dia para cada cidadão. Para quem vivem essas ilusões? Aqui, na realidade, uma única refeição já é um luxo para milhões. Talvez, o roncar de nossos estômagos sirva de trilha sonora para seus discursos polidos. Talvez, sejam essas as verdades que eles preferem ignorar.
O som das panelas não é apenas ruído; é uma mensagem. É o povo dizendo que já não aceita ser ignorado, que não quer mais ser cúmplice de sua própria fome. É um aviso de que, se nada mudar, o roncar do estômago pode se transformar em algo ainda mais poderoso. Moçambique não precisa apenas de líderes que falem bonito, mas de líderes que ouçam. Quem se alegra com o roncar do meu estômago? Certamente, não sou eu. E talvez, em breve, ninguém mais esteja disposto a suportá-lo.
Dedos D’eus
INTEGRITY – 27.11.2024