Por: Tomas Vieira Mário
Topuito é uma pequena aldeia de Larde, um distrito criado há poucos anos, por divisão do distrito de Moma, na Província de Nampula.
É na localidade de Topuito que se situa a fábrica de areias pesadas da Kenmare, uma empresa de capitais irlandeses. É por isso que ainda hoje diz-se fábrica de areias pesadas de Moma. Esta é uma das maiores empresas do seu ramo, e ela, a Kenmare, só existe em Moçambique. Não é portanto uma multinacional, ao contrário do que tem circulado na nossa "media".
Esta semana, apertada pelo fogo de manifestações da comunidade local, à "boleia" dos protestos pos-eleições, a direcção geral da Kenmare anunciou que vai, finalmente, construir uma ponte que ligue Topuito à Vila de Moma! Sim, finalmente!
E porquê finalmente? Ora, esta é uma daquelas estórias que vale mesmo a pena contar, porque característica das graves mazelas do extrativismo, criador de conflitos e destruturação social no campo.
Aqui há cinco anos, eclodiu uma grave crise de relacionamento entre a comunidade de Topuito e a Kenmare. Esta queria alargar a área de extracção de areias pesadas para uma zona onde se situava uma floresta sagrada para esta comunidade. No monte Philipo.
A comunidade dizia que é nesta floresta onde residem seus espíritos protectores, representados por uma serpente. Por isso esta floresta não podia, de forma alguma, ser destruída. Porém a empresa não queria ouvir. E ela tinha, aí (como sempre!) o apoio incondicional do Governo.
A resistência da comunidade foi prolongada e resoluta, em defesa da sua floresta sagrada, mas contra ela intensificou-se continuamente a pressão da Kenmare, apoiada pelo governo provincial. Nisto, um dia, o líder/régulo da comunidade é convidado para um encontro nos escritórios da empresa. No final desse encontro, cujo conteúdo ninguém soube, uma viatura da empresa leva o regulo de volta para casa, aonde vai morrer, pouco depois...inexplicavelmente.
O ambiente tornou-se convulsivo, com a comunidade suspeitando envenenamento do seu líder. Organizações da sociedade civil, nomeadamente o SEKELEKANI e a Solidariedade Moçambique, procuraram dar o seu apoio na procura de um entendimento entre as partes,isto é: por um lado a comunidade de Topuito e por outro, a Kenmare e o Governo provincial de Nampula.
O consenso a alcançar era no sentido de expansão da área a explorar, mas preservando-se um espaço mínimo de respeito pelos valores e crenças da comunidade, no Monte Philipo.
Porém, um dia, o Governo Provincial organizou uma reunião à porta-fechada (i.e. bloqueada a OSCs e "media") com alguns representantes da comunidade, da qual estes iriam sair com
um "acordo". Nos termos deste "acordo" a comunidade cedia a sua floresta sagrada à Kenmare e está, em troca, ia construir uma ponte ligando Topuito à Vila de Moma.
Imediatamente ficou claro que o governo provincial tinha coagido estes representantes a "assinar' este documento e que se tratava, pois, de um embuste: a Kenmare devastou a floresta sagrada, escavou como e onde quis; extraiu o que procurava, mas a ponte...nem pó!
Anos mais tarde percebeu -se que o destruido Monte Philipo tinha uma outra função social importantissima: ela servia de farol para os pescadores, regressando da faina, de Angoche: hoje eles perdem-se, de madrugada!
Esta semana, a comunidade de Topuito, no âmbito das manifestações pos-eleições, encontrou uma oportunidade para exigir à Kenmare o cumprimento daquele "acordo": "ou constroe a ponte ou...vamos destruir o vosso acampamento!" Como não havia Governo por perto...a Kenmare só podia ceder!
PS: Tem aqui um episódio muito interessante. Em apoio à comunidade de Topuito, SEKELEKANI produziu e divulgou um vídeo, onde denunciava as "manobras" da Kenmare. Em cumprimento de cláusulas contratuais, colocamos no vídeo o nome do doador ocidental que nos apoiava: este dias depois pediu que o retirassemos da ficha técnica, alegando tratar-se de um assunto...."muito delicado"(!!)