1. De ontem (11) para (12), já não se discute se o Conselho Constitucional (CC) recebeu, ou não, o recurso de contestação dos resultados das eleições presidenciais em nome de Venâncio Mondlane. Esse debate foi ultrapassado com a partilha do conteúdo vertido na página 11 do recurso do PODEMOS submetido àquele órgão de soberania do Estado, no dia 27 de Outubro de 2024.
2. É que, nos termos do referido recurso, resulta, clara e precisamente, que o mesmo expediente tem, por objecto, a contestação dos resultados do apuramento nacional das eleições presidenciais, legislativas e das assembleias provinciais anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), através da deliberação n.º 105/CNE/2024, de 24 de Outubro.
3. O debate, agora, a ordem do dia, é:
a) Se o PODEMOS tinha legitimidade para interpor recurso contestando os resultados da eleição presidencial em nome e no interesse de Venâncio Mondlane, já que a inscrição dos candidatos presidenciais junto do CC é independente da inscrição dos partidos políticos junto da CNE?
b) Se a eleição a presidência da República incide sobre indivíduos singularmente considerados, e as eleições para deputados da assembleia da República, governador de província e membros das assembleias provinciais incidem sobre indivíduos representados por listas de partidos políticos, como pode um partido político, no caso o PODEMOS, contestar os resultados da eleição presidencial que não lhe diz respeito?
c) Venâncio Mondlane deveria, por isso, enquanto candidato presidencial, através do seu mandatário, distintamente do Partido PODEMOS, ter submetido recurso contestando os resultados da eleição que lhe diz respeito, que é a eleição presidencial.
4. Com respeito às outras correntes de opinião, naturalmente diversas a nossa, é do nosso entendimento que se trata, no fundo, de um falso problema, na medida que nos termos da legislação eleitoral – designadamente, leis 14 e 15/2024, ambas de 23 de Agosto:
a) A nível das Assembleias de Voto, isso no dia da votação, durante o período de votação e de contagem/apuramento de votos, não existe delegado de candidatos presenciais. Existe, unicamente, delegados de partidos políticos. E são estes últimos que agem em nome e no interesse, tanto dos partidos políticos que representam, como dos candidatos presidenciais suportados pelos seus partidos. São estes, inclusive, que fazem desencadear a chamada “impugnação prévia” junto da mesa de votação;
b) Seria, até irracional e irrazoável, que, num processo de votação e de contagem/apuramento dos resultados da eleição presidencial ou qualquer outra, um delegado de um determinado partido político, ao ver uma situação de irregularidade eleitoral gravosa se mantivesse no silêncio ou na inércia em decorrência de o seu partido não estar inscrito a concorrer para a tal eleição;
c) Se considerássemos o acima referido, então teríamos de defender que, no momento de contagem/apuramento dos votos, os delegados dos partidos políticos que não têm um candidato presencial, tivessem de ser convidados a abandonar a sala, porque iria se iniciar um acto que não diz respeito a esse partido. No entanto, o que se vê é o envolvimento desses delegados na contagem/apuramento nas eleições a três níveis: presidencial, legislativas e das assembleias provinciais;
d) Mesmo assumindo, por hipótese, que os candidatos presidenciais devessem apresentar recursos de forma separada, parece ainda ilógico e totalmente ajurídico que se retire o direito de um partido contestar os resultados de uma eleição presidencial, através de um recurso que incide sobre a eleição, da qual a eleição presidencial faz parte e as cores e símbolo do seu partido se encontram representadas na fotografia oficial de um dos candidatos presidenciais;
e) A partir do momento em que a fotografia oficial do candidato presidencial aparece acoplada aos símbolos e cores de um partido político parece significar a existência de um “casamento” e/ou cumplicidade entre esse candidato presidencial e o partido que lhe suporta, passando este último, em muitos momentos, a agir em nome e no interesse do primeiro. Do contrário poderíamos nos questionar, qual, então, a relevância ou efeito prático dessa união de esforços se cada um deve agir por si?
f) A mesma legislação eleitoral determina, tendo em conta o acima exposto, por isso, que têm legitimidade para interpor recursos os candidatos, os respectivos mandatários, os partidos políticos, coligações de partidos políticos, grupo de cidadãos eleitores proponentes de candidaturas (artigos 27 e 185, das duas leis eleitorais, respectivamente citadas);
g) Da legislação eleitoral nada resulta que a legitimidade para apresentar recursos nos termos acima referidos depende da participação desses partidos nos três níveis eleitorais, e nem limita que o recurso se circunscreva aos níveis eleitorais de que esse partido tenha concorrido. Por fim, da mesma legislação eleitoral nada resulta que a legitimidade para apresentar recursos tenha de ser fragmentada/repartida;
h) O direito eleitoral não está, no processo de validação dos resultados eleitorais pelo CC, dependente do princípio do dispositivo, nos termos do qual, o tribunal, neste caso o CC, deve, unicamente, apreciar dos recursos apresentados. Deve, pelo princípio da oficialidade, conhecer de toda a matéria capaz de influir negativamente no processo eleitoral ou no apuramento do que se designada como verdade eleitoral, mesmo que nenhum interveniente directamente interessado pela decisão tenha apresentado recurso (artigos 151 e 127 das leis respectivamente citada).
5. Portanto é, uma vez mais, falso o argumento de que os partidos políticos não podem arguir eleição presidencial, particularmente em nome e no interesse do candidato presidencial que esses partidos suportam, sem contar que é dever do CC, de forma oficiosa, no processo de validação das eleições, conhecer de toda a matéria que possa macular a totalidade do processo eleitoral.
Ivan Maússe