Estevão Chavisso/Lusa
Moçambique é um fogo que arde há três meses. Venâncio Mondlane, candidato presidencial derrotado nas eleições de outubro, exilou-se, assumiu-se nas redes sociais como rosto da oposição e só voltou no dia da tomada de posse de Daniel Chapo, o candidato da Frelimo. À chegada, de Bíblia na mão, autoproclamou-se Presidente. Relato dos dias de morte e destruição
23 janeiro 2025 22:57
Diz-me que eleições tens, dir-te-ei que país és: relato da destruição que assola Moçambique
Fernando Baltazar de Lima
jornalista, editor do “Zitamar News”, ex-administrador da Mediacoop, proprietária do jornal “Savana”
9 de outubro de 2024
Dia de eleições, fim da tarde. Maria Esperança relaxa à porta de uma sala de aulas, no Instituto Industrial de Maputo, ao fundo da Rua da Resistência, o bairro no epicentro dos acontecimentos violentos que vieram a seguir às votações.
As contagens começam tarde e o apuramento presidencial só aconteceu por volta da meia-noite. Os boletins de voto são alinhados no chão cimentado com uma pedra por cima. Os votos são inscritos a giz branco num quadro preto. À frente de cada candidato, cada cinco “palitos”, correspondentes a igual número de votos, são chancelados por um traço na horizontal, “para facilitar a contagem final”. Na sala, à frente sentam-se os oficiais que presidiram à votação. Do lado direito, os delegados de lista. Ao fundo da sala, jornalistas e observadores. Não faltam duas representantes do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), um braço da Frelimo que despachou 8000 voluntários para observar as eleições.
Resultados: Venâncio Mondlane (Podemos) 294 votos, Daniel Chapo (Frelimo) 201, Ossufo Momade (Renamo) 14, Lutero Simango (MDM) 6. Votos em branco 3, votos nulos 5. Jornalistas e observadores têm direito a escrutinar os montinhos com os boletins de votos. Grande confusão no preenchimento da ata. Os votos escrutinados não coincidem com os boletins subtraídos aos blocos numerados. Ao fim de quase uma dezena de recontagens, com muito nervosismo e cansaço à mistura, sai a sentença de Maria Esperança, presidente da mesa de voto, professora no dia a dia. “Vamos enviar assim mesmo para eles no distrito. Depois eles vão decidir essas diferenças.” E foi assim que chegou até à Comissão Nacional de Eleições (CNE).
Nas salas próximas, pela voz dos escrutinadores, só dava Venâncio e Chapo. Mais Venâncio do que Chapo. Vejo os resultados da mesa 010118-02: V.M. 265 votos, D.C. 202, O.M. 12, L.S. 7.
No recinto da escola há um vaivém nervoso de uma carrinha Mahindra, sem marcas e com vidros fumados. O seu condutor, um indivíduo de porte atlético, passo apressado e rosto fechado, só fala com os oficiais eleitorais das mesas. Percebo que quer saber resultados. Sai por onde veio, com os pneus a chiar, como nos filmes policiais. Os “mahindras”, como são conhecidos pela população, são carrinhas de origem indiana que equipam habitualmente as forças de defesa e segurança, especialmente a polícia. A marca ganha muitos concursos nas instituições do Estado. Os entendidos realçam o preço/qualidade dos veículos, que desbaratam a concorrência. O representante em Moçambique tem o quase monopólio dos fardamentos das forças militares e paramilitares em Moçambique, numa parceria com uma empresa do ramo securitário.
Vou à Polana, um dos bairros de elite da capital. Chapo leva uma ligeira vantagem sobre Venâncio.
11 de outubro de 2024
Nos apuramentos distritais, Chapo e a Frelimo são anunciados como os grandes vencedores em Maputo. Venâncio antecipa-se e declara ter ganho o escrutínio, segundo as contagens paralelas feitas pela sua equipa.
Em Nampula, Edson Cortez, do consórcio eleitoral Mais Integridade, declara a incapacidade da sua equipa fazer contagens paralelas na capital do maior círculo eleitoral do país. “Pela madrugada, quando nos fomos deitar, os resultados eram uns. Esta manhã, quando fomos ver os editais, os resultados eram outros.” Uma sugestão de alteração dos números eleitorais vertidos para os editais e as atas das mesas de voto. O Conselho Constitucional, na requalificação de votos em grande parte do país, a partir dos editais, não conseguiu cobrir essa lacuna. Porque não recontou os votos.
(No final de dezembro, quando vejo as contagens oficiais revistas na zona metropolitana de Maputo, Venâncio ganhou na Maxaquene e nas Mahotas, na Matola e Marracuene. Em conjunto, a oposição conquistou o bairro nobre de Kamphumo e a vila de Boane, logo a seguir à Matola. Uma coincidência com alguns dos epicentros da revolta popular que eclodiu a 24 de outubro, em protesto contra os resultados eleitorais que davam 70% a Chapo e 20% a Venâncio, os dois grandes protagonistas das eleições moçambicanas.)
19 de outubro de 2024
4h45, hora madrugadora para um sábado de manhã. Atendo o telefone porque tocava incessantemente há vários minutos. Do outro lado, uma voz aos soluços, “mataram o Elvino”. Era o distribuidor habitual do jornal “Savana” em Tete, também trovador popular com o pseudónimo de Mano Modjas Júnior Literário. Estava devastado com a notícia da morte a tiro do advogado Elvino Dias, um zambeziano de Inhassunge, um lugarejo do outro lado do braço de mar a que Vasco da Gama chamou de rio dos Bons Sinais, mesmo defronte a Quelimane.
Estremunhado, meio a dormir, faço o rewind (rebobinar) para a hora a que me deitei após uma dezena de tiros ouvidos nas redondezas nessa noite. O telemóvel assinalava 23h51, hora em que interrompi o envio de um texto para alguns amigos, depois dos disparos. O texto era “Moçambique: um abismo irreversível”, de Luca Bussotti, um sociólogo que é professor no ISCTE em Lisboa. Uma prosa de qualidade sobre as eleições.
Pouco mais de uma dezena de tiros, talvez 12, num ritmo cadenciado e firme, com uma interrupção de alguns segundos pelo meio. Podem ter sido disparos a partir de pistolas NP29, modelo 9 mm da Norinco chinesa, uma arma muito usada nos meios do crime, incluindo os raptos de empresários de origem asiática. As crónicas da altura falam em 25 disparos. Difícil para pistolas com carregadores de nove balas.
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<span class="arranque">Eleição</span> Eleitores aguardam a entrada para votar em outubro
Eleição Eleitores aguardam a entrada para votar em outubroJosé Coelho/ Epa
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Eleição Eleitores aguardam a entrada para votar em outubroJosé Coelho/ Epa
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Como são habituais os tiros noite adentro, interrompi a correspondência de WhatsApp, fui à varanda, senti o cheiro a pólvora que pairava no ar, mas não fui à rua. Os guardas dos prédios circunvizinhos fizeram o mesmo. Nem os cães vadios se alvoroçaram, continuando a pesquisar restos numa lixeira próxima, a meias com os sem-abrigo.
Em 2019, também em outubro, na cidade do Xai-Xai, foi assassinado o ativista Atanásio Matavel, com tiros de pistolas Norinco disparados por membros de uma unidade especial de polícia que depois capotaram a viatura em que seguiam. O tempo eram as eleições gerais desse ano.
Elvino Dias e Paulo Guambe seguiam num BMW X6 e foram assassinados por dois atiradores profissionais pouco antes da meia-noite, no fatídico 18 de outubro. Ambos trabalhavam na campanha de Venâncio Mondlane e do partido Podemos. Para contar o que viu, sobreviveu Madalena Matusse, trabalhadora de um mercado informal conhecido como o Pulmão da Malhangalene, um bairro popular às portas da “cidade de cimento”.
Um porta-voz policial, solícito, sugeriu uma “briga de saias”, mas a mentira era tão grosseira que, horas depois, o ministro do Interior veio corrigir a versão. Oficialmente, as câmaras de videovigilância na zona não gravaram nada. Dos dois lados da rua onde aconteceu o duplo assassínio funcionam agências bancárias de duas poderosas instituições de crédito moçambicanas, uma das quais detida maioritariamente pelo banco estatal português. Os seguranças privados dos balcões “viram tudo”, mas a polícia, volvidos três meses, não tem pistas. Pelo menos para partilhar com o público.
Daniel Chapo agarra numa folha de papel A4, sem qualquer timbre oficial, e redige uma violenta condenação aos homicídios sem rosto. “Os militantes do bem”, os que se tentam demarcar da captura da Frelimo pelas máfias, aplaudem a iniciativa do candidato presidencial. Às 23h52 de 18 de outubro, o sociólogo João Feijão replicava na minha caixa de mensagens o texto de Bussotti: “Diz-me que eleições tens, dir-te-ei que país és.”
21 de outubro de 2024
Venâncio Mondlane convoca uma jornada de protesto com concentração no local do assassínio de Elvino Dias e Paulo Guambe, na Avenida Joaquim Chissano, a estrada na intersecção dos bairros da Maxaquene e Malhangalene.
A polícia comparece em peso à manifestação. Brigada canina, bastões, escudos, capacetes, máscaras, mais os “mahindras”, desta vez na versão blindada para transporte de efetivos. Muitas granadas de gás lacrimogéneo nas viaturas de apoio.Estava claro que não haveria marcha sobre a cidade. Pacífica ou não. A polícia mandou dispersar e de imediato passou à carga. Tudo a eito. Manifestantes e jornalistas.
Venâncio chega tarde e reúne os jornalistas na praça da OMM, uma homenagem à organização oficial das mulheres da Frelimo. A conferência improvisada é atacada com gás lacrimogéneo. Há jornalistas feridos. Tiago Contreiras, o correspondente da RTP em Maputo, torna-se herói improvável, nas imagens que circularam por todo o mundo.
O porta-voz da polícia deu depois a sua versão, num duplo do famoso ministro da Informação do Iraque, que tinha narrativas em que só ele acreditava. Afinal, a polícia ripostava a provocações de manifestantes concentrados na praça. O MISA, organização defensora da liberdade de imprensa, condena a brutalidade policial. O mesmo faz a CTA, a confederação dos empresários.
Venâncio abandona a praça protegido pelo seu pessoal de segurança.
22 de outubro de 2024
Mondlane abandona discretamente o país, protegido por um passaporte diplomático conservado nos tempos em que era deputado pela Renamo. Vai para a África do Sul e depois para a Europa. Oficialmente, partiu para “parte incerta” (de onde voltou em janeiro deste ano).
Nos bairros surgem as primeiras barricadas feitas de pneus a arder e contentores de lixo. Dona Rosalina, avó de muitos netos, no seu quintal na Maxaquene, vai enchendo bidons de cinco litros com água. “É para ajudar contra o gás que recebem os jovens que estão a apoiar o nosso Presidente.” Em muitas residências são ligadas mangueiras para borrifarem a cara dos manifestantes que lutavam contra os efeitos do gás lacrimogéneo nos olhos.
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<span class="arranque">Violência</span> Um vídeo choca o país: Maria Madalena Matusse, de 29 anos, é abalroada por um blindado chinês tripulado por militares em plena Avenida Eduardo Mondlane
Violência Um vídeo choca o país: Maria Madalena Matusse, de 29 anos, é abalroada por um blindado chinês tripulado por militares em plena Avenida Eduardo MondlaneD.R.
<span class="arranque">Violência</span> Um vídeo choca o país: Maria Madalena Matusse, de 29 anos, é abalroada por um blindado chinês tripulado por militares em plena Avenida Eduardo Mondlane
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As escaramuças policiais duram dois dias. Venâncio passa a comandar a revolta popular a partir das redes sociais, em particular o Facebook, de onde são produzidas as suas lives. O controlo automático de audiências assinala mais de 140 mil visualizações em simultâneo.
24 de outubro de 2024
Ainda não tinha terminado a cerimónia do anúncio formal dos resultados, um pouco por todo o país emergiam novos protestos. Com seis votos contra, o bispo anglicano Carlos Matsinhe proclamava Chapo e a Frelimo como vencedores, mesmo reconhecendo irregularidades que não sanou, porque a Comissão Nacional de Eleições procurava respeitar os prazos. Claramente, a “batata quente” era endossada aos sete juízes do Conselho Constitucional para um veredicto final.
O país agoniza procurando antever sinais de diálogo entre o Presidente Filipe Nyusi, em fim de mandato, e Venâncio Mondlane, que assumia o controlo dos protestos de rua. Começam a aparecer os primeiros mortos das cargas policiais. Não por inalação de gás, mas, sobretudo, por fogo real. Mortos por polícias de giro empunhando AK-47 e por esquadrões trajando à civil, flagrados em inúmeros vídeos produzidos por “cidadãos repórteres”.
Tal como na Primavera Árabe, as redes sociais são um enorme rastilho propulsor das manifestações. O Governo ordena na sombra o corte dos serviços da Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp e YouTube). Mais o TikTok. As operadoras não podem dizer nada. E temem o pior com as ameaças de queima das torres de comunicações. Os jovens passam rapidamente a usar VPN (rede privada virtual). O Governo tinha a expectativa de que os jovens não pagariam pelo acesso à rede alternativa. Os utilizadores recebem milhares de mensagens de como aceder a VPN gratuitas. O bloqueio intermitente demorou 10 dias. Bancos e outros serviços sofriam também com os bloqueios.
5 de novembro de 2024
É anunciada a presença de militares na rua para reforço da segurança pública.
O comandante da polícia e o ministro do Interior declaram um basta nas manifestações, mas nada parece deter os “protestatários”, um termo arranjado por um dos canais de televisão privados para desqualificar os objetivos dos manifestantes em luta contra a fraude eleitoral.
O ministro de Defesa entra em cena e teme-se que o estado de emergência seja decretado. As vozes do poder sugerem “tentativa de golpe de Estado” com as alusões jocosas a banhos de piscina na Ponta Vermelha, a residência oficial do Presidente da República.
Os militares resistem a intervenções musculadas ao lado das unidades especiais de polícia. São colocados nas ruas alguns dos efetivos treinados pela União Europeia, mais bem equipados, mais disciplinados. As redes sociais e os ativistas da oposição tentam passar a mensagem de que as forças do Ruanda presentes em Cabo Delgado foram deslocadas para Maputo. Kigali desmente. Vídeos produzidos na República Democrática do Congo são utilizados para manipular a opinião pública. Mas não foram encontrados ruandeses fardados. O que há são centenas de refugiados fugidos ao genocídio e que se dedicam maioritariamente ao comércio por todo o país.
27 de novembro de 2024
Um vídeo choca o país: Maria Madalena Matusse, de 29 anos, é abalroada por um blindado chinês tripulado por militares em plena Avenida Eduardo Mondlane (antiga Pinheiro Chagas). A Defesa promete investigação e medidas disciplinares. Maria Madalena passa ao lado da morte e recupera numa unidade hospitalar paga pelos militares. Das chefias passa a mensagem de que “as forças armadas republicanas não se envolvem em conflitos políticos”. A população aplaude a postura dos militares.
Isolado no seu gabinete, Nyusi tinha-se reunido na véspera com os candidatos presidenciais. Mas faltava o principal, Venâncio Mondlane, que fez saber que aceitava o convite mas impunha condições. Um manifesto de 20 pontos imediatamente repassado para o público. Os candidatos da oposição limitaram-se a constatar que sem Venâncio não era possível o diálogo, e o encontro deu em nada.
O Conselho Constitucional (CC), na sua versão CNE 2.0, desespera “com a incapacidade dos políticos em encontrarem soluções para uma crise que é eminentemente política”. Com enorme cinismo, os poderes do dia decidem abandonar os sete juízes à sua sorte.
23 de dezembro de 2024
Os novos resultados, os definitivos, são libertados. Há 24 assentos parlamentares que mudam de mãos e passam para a oposição. Na Frelimo não há protestos. Nem dos que já tinham feito festas de eleição. Os deputados, com mordomias inclusas, podem ganhar até 4000 euros, uma boa remuneração num país que paga 115 euros como salário mínimo.
Como se esperava, o CC, com a ratificação dos resultados, implodiu o país.
Em três dias de pilhagens e vandalismo, uma parte do tecido económico do país foi reduzido a cinzas. Bens alimentares sobretudo, mas muita maquinaria queimada. Há empresários, de braços caídos, que suspeitam de ataques dirigidos por competidores ou para saldar velhas rivalidades.
Os mais pragmáticos tentaram controlar os saques abrindo mão dos produtos armazenados para salvar instalações e equipamentos. “As pessoas têm fome. Mas este é o país em que decidimos investir”, reporta um comerciante que perdeu 1500 toneladas entre arroz e milho. Samanta Lemos entregava diariamente 120 toneladas de milho, uma parte para obras de benemerência. Depois da destruição atirou a toalha ao chão. A Bom Milho não vai reabrir.
Pairam no ar os efeitos terríveis do desemprego que se anuncia para os próximos meses.
25 de dezembro de 2024
É dia de Natal.
9 de janeiro de 2025
Depois da hecatombe, Venâncio ameniza o discurso. Regressa a Moçambique e, à saída do aeroporto, com a Bíblia na mão esquerda, faz a sua autoproclamação presidencial. A imigração confiscou-lhe o passaporte diplomático, mas a polícia assegurou a integridade física do candidato até ao seu hotel, nos arredores da capital.
A mesma polícia não deixou os apoiantes de V.M.7, como também é conhecido o candidato, aproximarem-se da aerogare do aeroporto. Mais tarde, um comício no Estrela Vermelha, um mercado de venda de muitos produtos roubados, foi interrompido a tiros de AK-47. Mais três mortes na longa contabilidade que já soma mais de 300 vítimas.
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<span class="arranque">Cerimónia</span> Benilda Fernando Mondlane é esbofeteada por um polícia, seguindo-se um banho de cassetete. O momento foi recriado pelo artista Freddy Uamusse
Cerimónia Benilda Fernando Mondlane é esbofeteada por um polícia, seguindo-se um banho de cassetete. O momento foi recriado pelo artista Freddy Uamusse
<span class="arranque">Cerimónia</span> Benilda Fernando Mondlane é esbofeteada por um polícia, seguindo-se um banho de cassetete. O momento foi recriado pelo artista Freddy Uamusse
Cerimónia Benilda Fernando Mondlane é esbofeteada por um polícia, seguindo-se um banho de cassetete. O momento foi recriado pelo artista Freddy Uamusse
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O Tribunal Supremo, antes da chegada de Venâncio, garantiu que não havia mandato de captura, mas na sombra há pressões na PGR para que se ordene a sua prisão, agora que está de regresso ao país.
Albino Forquilha, o líder do Podemos, decide chancelar a tomada de posse dos 43 deputados a arrepio do boicote da oposição. Venâncio zanga-se, mas dias depois fuma o cachimbo da paz. (Na quinta-feira, 16 de janeiro der 2025, foi postada uma foto de família no hotel que hospeda V.M.7. Todos sorridentes.)
15 de janeiro de 2025
Daniel Chapo toma posse numa praça deserta com as laterais literalmente a arder. Os organizadores estabeleceram um rigoroso cordão de segurança à volta da Praça da Independência. Lá dentro couberam os dignitários da Frelimo, o corpo diplomático e um pequeno número de convidados que tomou o avião para Maputo. Presidentes apenas dois. O controverso líder da Guiné-Bissau, Sissoco Embaló, e o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa. O líder sul-africano, que discretamente tem tentado arquitetar uma solução negociada para a crise moçambicana, só uma hora antes da cerimónia oficial divulgou a sua presença em Maputo.
Da União Europeia, nenhum alto dignitário se fez presente. Espartilhado pela resolução passada pelo Parlamento, Portugal mandou o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel. Conseguiu uma audiência com o novo Presidente para entregar uma carta do “amigo Marcelo”, mas Venâncio virou-lhe as costas, depois de um virulento ataque desferido nas redes sociais.
Daniel Chapo recua aos tempos de Samora. Faz um discurso que arrepia as estruturas da Frelimo. Dizem que levou as páginas do discurso para a praça sem as mostrar a ninguém.
Zurziu comissionistas e lambe-botas, declarou guerra ao despesismo, prometeu emagrecer o Governo e as regalias dos governantes. Declarou guerra aos raptos e reconheceu cumplicidades internas. Pediu um minuto de silêncio pelos mortos nas manifestações, prometeu diálogo, uma forma de dizer que está pronto para encontrar Venâncio, agora que é Presidente de papel passado.
À volta da praça, insensível ao protocolo, a polícia distribuía bastonadas e chumbo quente para os que teimavam em aproximar-se do cordão de segurança. E não se cansavam de gritar Venâncio. Talvez para serem ouvidos pelos convidados às cerimónias de investidura.
Nas redes sociais, sempre este terrível vírus corrosivo, Benilda Fernando Mondlane é esbofeteada por um polícia, seguindo-se um banho de cassetete. Benilda é agora uma pequena celebridade no seu bairro. Já deu várias entrevistas à televisão. Os seus amigos querem que apresente queixa na esquadra contra a polícia. As fake news, que por estes dias andam agressivamente à solta pelo país, deram Benilda “obitada com uma bala perfurante no occipital”.
17 de janeiro de 2025
Num país constitucionalmente laico, na primeira cerimónia depois da investidura, Daniel Chapo foi a um culto ecuménico com a esposa. Houve atropelos e empurrões na cerimónia, porque um dos pastores não gostou de ver Chapo ser equiparado a Deus. O religioso foi à esquadra, mas foi solto pouco depois por demanda da Ordem dos Advogados.
Volvidas 24 horas, o Presidente revela os primeiros 13 ministros depois de uma sessão da Comissão Política da Frelimo, um órgão partidário que chancela decisões de Estado.
Os ministros, anunciados de véspera, mal tiveram tempo para um respiro de fundo.
18 de janeiro de 2025
Sábado. Como Chapo insiste na divisa “vamos trabalhar”, houve a tomada de posse do Governo, que se pretende de práticas espartanas. Corte nos gastos, nada de “críticas retroativas”, viagens apenas as necessárias e com autorização presidencial.
No princípio da semana, uma parte dos ministros foi despachada para as províncias para dar posse aos novos governadores. Chapo promete, mas tem obstáculos enormes pela frente. Uma Comissão Política que “não é sua”, uma bancada parlamentar em que não deu opinião, 10 governadores escolhidos pelo seu antecessor. Talvez virar-se para a rua, onde tem Venâncio à espera pelo início do diálogo, que até pode fazer baixar a tensão em que o país vive há mais de três meses.