Pelo menos 315 pessoas morreram em Moçambique nas manifestações pós-eleitorais, mais de 90% vítimas de "balas reais" e 730 ficaram feridos por baleamento, segundo um relatório divulgado pela plataforma eleitoral Decide.
Moçambique vive desde 21 de outubro um clima de forte agitação social, protestos, manifestações e paralisações, convocadas por Venâncio Mondlane
De acordo com o relatório da Organização Não-Governamental (ONG), que monitoriza os processos eleitorais em Moçambique, e que acompanhou as eleições gerais de 09 de outubro com 400 observadores, foram contabilizados até 16 de janeiro 315 mortos em todo o país desde o início das manifestações em 21 de outubro, convocadas pelo ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados oficiais.
Do total de mortos contabilizados em praticamente três meses de contestação no país, 111 registaram-se em Maputo (cidade e província), sul do país, e 81 em Nampula, no norte. Alguns casos documentados no relatório identificam vítimas mortais atingidas a tiro quando se encontravam dentro de casa.
"Deste número, 91% [das mortes] foram causadas por disparos com recursos a balas reais e cerca de 9% por razões diversas tais como atropelamentos, agressões físicas e inalação de gás lacrimogéneo. De salientar que, dos dados totais preliminares, cerca de 6% [das vítimas] são menores, 3.1% mulheres e 4.7% foram agentes das Forças de Defesa e Segurança", lê-se no documento.
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Detenções e feridos
O relatório acrescenta que foram verificadas, pelo menos, 4.236 "detenções ilegais" em todo o país, sendo que 96% das pessoas detidas se encontram já em liberdade, "devido à pronta intervenção, em grande parte dos casos, da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) e, em alguns, de outras instituições como o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ)".
A linha de denúncia da plataforma Decide e outros meios/órgãos, como as redes sociais e a própria OAM, receberam um total de 2.447 queixas ou reporte de casos, explica a ONG.
O relatório regista ainda a existência de "mais de 3.000 feridos por diversas razões, com destaque para os baleados", que ascendem a um total de 730 em todo o país, e sublinha que a Ordem dos Enfermeiros de Moçambique "tem prestado assistência domiciliar aos mesmos para atenuar o sofrimento das vítimas no que diz respeito às deslocações às unidades hospitalares, porque muitas não têm condições para pagar um transporte".
Entre os feridos a tiro, a plataforma Decide aponta que 336 se registaram em Maputo e 142 em Nampula, nas várias fases das manifestações.
Intimidações e ameaças
A Decide também refere no relatório que, desde o final do novembro, tem recebido "vários pedidos de proteção" por parte "de diversos ativistas e membros pertencentes a partidos da oposição, com maior ênfase" do partido PODEMOS, que apoiou a candidatura presidencial de Venâncio Mondlane, e que se tornou nesta eleição o maior partido da oposição.
As queixas reportadas dizem respeito a "intimidações e ameaças à integridade física" dos membros dos partidos da oposição.
"De igual modo, cresce o número de desaparecidos no contexto pós-eleitoral", sobretudo entre "membros e apoiantes do PODEMOS e Venâncio Mondlane".
Foram até agora contabilizados "mais de 20 casos", na maioria na zona centro e norte do país, com destaque para Arlindo Chissale, desaparecido em Cabo Delgado há mais de duas semanas, aponta o documento.
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População entoa hino a pedido de Mondlane
Entretanto, o hino de Moçambique voltou hoje a ser entoado por centenas de populares em diferentes ruas do centro de Maputo, em resposta ao apelo do ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane, terminando ao fim de 15 minutos, sem incidentes.
Entre a avenida Guerra Popular e a baixa da cidade, vários grupos juntaram-se, à hora prevista - 13:00 locais - e, de mãos dadas, com bandeiras, vuvuzelas e apitos, cantaram o hino, pacificamente, perante um trânsito bloqueado, durante 15 minutos, uma forma de contestação que marcou os protestos pós-eleitorais sobretudo em dezembro.
Rogério Zavale juntou-se a um destes grupos, que também empunhavam cartazes improvisados usando cartão de caixas velhas, garantindo que cumpria o apelo.
"Venâncio Mondlane nos indicou para cantar o hino nacional todas as sextas-feiras", explicou, enquanto Filipe Alberto, que repetidamente cantou o hino durante os 15 minutos, acrescentava: "É sobre o país, está muito mal (...) roubaram os votos".
E enquanto os restantes alternavam o hino com buzinadelas e tudo o mais que fizesse barulho, Filipe Alberto acrescentava: "Se não entregarem, isto aqui nunca vai parar".
Às 13:15, esgotado o período previsto para esta ação, a população abandonou quase de imediato as ruas e o trânsito voltou à normalidade de uma sexta-feira por si só caótica em Maputo, não sendo conhecidos incidentes no centro da capital, apesar da presença da polícia.
Num documento divulgado na terça-feira, que apresentou como "decreto" e de "medidas governativas" para os próximos 100 dias, Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados proclamados das eleições gerais de 09 de outubro, que deram a vitória a Daniel Chapo - já empossado como quinto Presidente de Moçambique -, apelou à população para, neste período, todas as sextas-feiras, juntar-se a cantar o hino nas ruas, por 15 minutos, a partir das 13:00, parando as atividades nesse período.
DW – 24.01.2025