Quando a História se repete, ela não vem como uma senhora gentil, mas como um furacão de verdades esquecidas. Os Naparamas, aqueles guardiões da dignidade camponesa, podem estar ressurgindo silenciosamente das cinzas do esquecimento. E porquê?
Porque Moçambique, esse país que já sangrou demais, insiste em trilhar o caminho da miséria política, da repressão descarada e do desrespeito aos direitos humanos. Aqui, a repressão policial não é novidade; ela se modernizou. Balas de borracha, gás lacrimogéneo e o terror psicológico substituíram os velhos chicotes coloniais, mas a lógica continua a mesma: calar o povo.
Agora, imagine, no meio desse caos, um camponês que decide que já não tem nada a perder. Ele pega sua enxada, lava o rosto com água de poço e sussurra para si mesmo: “Sou um Naparama.” Ele não diz isso porque leu sobre Matsangaissa nos livros ou porque viu um documentário sobre resistência. Não, ele diz isso porque sente no peito o que o Estado lhe roubou: a dignidade de existir.
Os Naparamas da década de 1980 nasceram de uma guerra civil. Hoje, eles renascem de outra guerra, mais insidiosa e covarde, onde o inimigo veste farda, usa gravata e se esconde atrás de discursos hipócritas sobre progresso e desenvolvimento. Como podemos falar de desenvolvimento num país onde manifestantes pacíficos são esmagados sob o peso de botas militares? Onde as aldeias gritam por ajuda e recebem apenas silêncio? A repressão policial que se abate sobre qualquer tentativa de organização popular é a maior prova de que o Estado moçambicano teme seu próprio povo.
E quem poderá nos salvar, senão nós mesmos? É aqui que a figura dos Naparamas volta a assombrar. Eles não precisam de Kalashnikovs ou de tanques, porque sua força não está na tecnologia, mas na crença. Não uma crença mágica, como a proteção espiritual contra balas, mas a crença de que a luta pela dignidade é maior do que o medo da morte.
O Estado, com toda a sua força bruta, não entende isso. Ele não sabe o que é enfrentar alguém que já perdeu tudo e que, portanto, não teme perder mais nada. A polícia reprime porque é paga para reprimir, mas os Naparamas resistem porque é isso que significa ser humano.
E aqui está o detalhe que torna tudo ainda mais amargo: enquanto os Naparamas se levantam, há aqueles que, confortavelmente sentados em suas cadeiras de couro em Maputo, ousam chamá-los de “perturbadores da ordem pública”. Ordem pública? Que ordem é essa, onde os direitos humanos são violados todos os dias? Onde a polícia atira primeiro e pergunta depois? Onde a justiça é uma mercadoria cara demais para a maioria da população?
Se os Naparamas estão realmente ressurgindo, não é apenas um chamado da tradição. É um grito de socorro de um povo que já não aguenta mais ser esmagado. E, se o Estado continuar ignorando esse grito, a história nos ensina o que acontece: os oprimidos encontram maneiras de lutar. E dessa vez, pode não ser apenas com enxadas e amuletos.
O ressurgimento dos Naparamas é um lembrete cruel de que, quando o Estado falha, o povo toma as rédeas. E se isso significa desafiar a repressão policial, então que assim seja. Porque, no fim das contas, não há nada mais poderoso do que um povo que decide dizer “basta”.
Aos que governam Moçambique: cuidem-se. Porque a fúria de um Naparama não pede licença, e a História não perdoa traidores do povo.
Dedos D’eus
Integrity – 22.01.2025