Roberto Julio Tibana
As fotos que reproduzo aqui são muito convenientes para as chancelarias domiciliadas em Maputo. Elas de certeza que já chegaram às sedes e circulam o mundo para dar a imagem de se estar a fazer algo para ajudar a resolver a crise política em Moçambique. Isso não pode ser de todo negado. Mas não existe nada que efetivamente prove que esse algo seja substancial para ajudar a situação. O Estado terrorista continua as suas acções criminosas. Um sinal de algum efeito do trabalho dessas chancelarias seria que o governo da Frelimo desse mostra de algum bom senso e parasse com essa vergonha de terrorismo de Estado. Nada!
Entretanto os nossos políticos, ávidos de dar aparência de também estar a fazer serviço genuíno, lá estão na fotografia. Há muita ingenuidade!
Mas antes de você dizer “lá está ele…”, e antes de prosseguir com o resto, deixe-me contar a história de uma experiência pessoal .
1. O DIA EM QUE PERDI A MINHA “VIRGINDADE”
Quando foi de uma crise similar após as eleições de 2019 (lembram-se? Isto é cíclico), e após que a “poeira” baixou um pouco, procurei um diplomata sénior (embaixador), um desses que havia chegado recentemente, em substituição do anterior que havia estado aqui e acompanhado tudo o que se passou. Eu estava com vontade de encetar uma nova “parceria”. Havia antes estado muito intensamente envolvido em conversas com diplomatas tentando fazer-lhes entender a situação real do pais e ajudar-lhes na medida do possível para que melhor entendessem o ambiente para melhor assistir o país nos seus desafios. Levantei a questão do que o seu país poderia fazer para ajudar. A resposta foi tal que desde essa altura eu tomei a decisão de não mais voltar a entreter qualquer ilusão sobre o papel da comunidade internacional em Moçambique quando se trate de decisões de fundo sobre a nossa vida. Foi assim que me respondeu (quase literalmente, e o encontro durou não mais de meia hora): Acabou o tempo da solidariedade, nós estamos aqui para tratar dos interesses e negócios das nossas empresas, esses problemas vocês os moçambicanos têm de resolver, e nós não vamos estar aquí a tratar desses vossos conflitos enquanto os chineses estão a tirar as riquezas que nós também precisamos. Ponto final.
Entenderam a mensagem? Cinco anos atrás. Estávamos numa situação semelhante a esta, embora de proporções relativamente menores.
Saí desse encontro com a sensação que se me havia tirado a virgindade nestas matérias (“descabaçado” – em linguagem terra-a-terra). Caiu toda a inocência e decidi nunca mais entrar em nenhuma chancelaria senão para ir ao consulado pedir visto de viagem. No entanto antes de sair desejei sorte aos negócios das empresas desse país em Moçambique, mas também não deixei de avisar que duvidava que os interesses delas fossem melhor servidos pelas coisas que estavam a acontecer.
Recentemente (algumas semanas atrás) quebrei o meu juramento e fui entrar na mesma chancelaria, já a convite, e não a pedido meu, e mais por uma questão de cortesia. Nós moçambicanos não somos vândalos, somos bem-educados, sabemos responder a convites! Escolhi usar o primeiro momento da minha palavra para recontar ao meu interlocutor (também um embaixador que está no lugar do outro que me “tirou a virgindade” cinco anos atrás). E foi nesta conversa e em resposta à minha descrição do evento de cinco anos atrás, que desse mesmo diplomata sénior eu soube que de lá até agora boa parte das empresas desse país que estavam a operar em Moçambique fecharam as suas operações e abandonaram o país porque se tornou impossível fazer negócio, e que muitas outras que estavam na fila de trazer mais investimento viraram as costas antes de entrar.
Não sei se os dessa chancelaria aprenderam a lição de como se defendem melhor os interesses das suas empresas em num outro país, e o que significa e qual o papel da amizade e solidariedade entre os povos.
Apesar de que seria injusto generalizar, vale também notar que antes desta experiência pessoal, eu havia sido avisado. A vaga de diplomatas que deixou Moçambique após as eleições (também gravemente fraudulentas) de 2019, discretamente já me ia segredando para que tomássemos cuidado “porque o que vem aí…”. Em parte, isso já mostrava o cansaço da comunidade internacional com as nossas incapacidades de tratar de maneira civilizada os nossos problemas. Mas no essencial também revelava onde realmente estão os interesses desses países.
Mas eu não estou aqui para dar lições nem criticar os diplomatas acreditados neste pais. Estou aquí para dizer aos nossos políticos que saibam ter foco.
A PERGUNTA É: De onde poderá vir uma pressão genuína e substancial para convencer (e se necessário forçar) a Frelimo a aceitar um jogo político verdadeiramente democrático e a alternância da governação exigida pelo povo e manifesta nas urnas? De onde virá a pressão necessária para que a Frelimo aceite embarcar num caminho que leve à verdade eleitoral, para que se saiba como é que toda a fraude eleitoral foi perpetrada, e por quem (executores e mandantes) para que nunca mais algo semelhante volte a acontecer? De onde virá a pressão para convencer (e se necessário forçar) a Frelimo a dialogar genuinamente e chegar a um acordo de convivência com todas as forças políticas e da sociedade civil sem necessariamente ter que ela ser hegemónica e com a última palavra que decide tudo a seu modo e prazer? De onde virá a pressão para que o Estado deixe de ser terrorista contra o povo e que as pessoas e famílias que têm sido vítimas desse terror sejam tratadas, a justiça seja feita, e sejam compensadas e apoiadas no que perderam (vidas de familiares, capacidade de trabalho, sequelas para o resto da vida). De onde virá a pressão para eu isso aconteça?
Desses diplomatas que estão aqui primariamente para tratar dos interesses das empresas dos seus países e que para isso não importa com que tipo de governo lidam?
Na minha opinião a pressão para se chegar a esse ponto só pode vir do próprio povo moçambicano. E nisso, infelizmente, o povo moçambicano está só e não vale a pena pensar de outra maneira. Porque o que aconteceu no passado e continua a acontecer é que os nossos políticos continuam a perder tempo em negociatas e conversas de gabinete sem efeito nenhum senão servir de entretenimento, deixando o povo na rua a ser massacrado pelas forças da Frelimo.
Se a comunidade internacional quisesse de facto ajudar os moçambicanos a resolver este imbróglio pós-eleitoral já o teria feito de maneira enérgica e decisiva como o faz em outros sítios quando os seus interesses geoestratégicos e económicos o impõem. Ou mesmo como o fez em Moçambique no caso que relato a seguir.
3. O CASO DAS DÍVIDAS OCULTAS
No caso das “dívidas ocultas", a comunidade internacional decisivamente contribuiu para forçar o governo da Frelimo a aceitar uma auditoria forense internacional independente para esclarecer essa fraude financeira (apesar de o resultado ter sido usado numa acusação de charada e um julgamento de teatro que deixou ainda muito por esclarecer). Mas eles não fizeram isso por puro altruísmo. Houve cinco factores principais que levaram comunidade internacional a agir energicamente no caso das dívidas ocultas:
1. Os doadores que ofereciam ajuda directa ao orçamento sentiram-se burlados pelo governo da Frelimo, o que os colocou em dificuldades de justificar junto do seu eleitorado como continuar a canalizar os recursos financeiros resultantes dos impostos dos seus cidadãos para apoiar um governo capturado por corruptos aliados a burladores internacionais, recursos esses que seriam depois desviados para pagar dívidas ocultas que beneficiaram indivíduos e não o povo ou Estado moçambicano. Em termos práticos, a sua tomada de posições foi compelida pelos termos de um Memorandum de Entendimento sobre a Ajuda Orçamental Directa que estipulava que se Moçambique violasse grosseiramente as suas próprias leis e em particular a Constituição da República, essa ajuda poderia ser suspensa. E isso era o caso das dívidas ocultas, na consecução das quais se violou a Constituição e as Leis e Regulamentos Orçamentais. Esses termos não foram colocados nesse Memorandum por iniciativa de burocratas locais das chancelarias estrangeiras em Maputo. Esses termos eram impostos pelas leis e decisões dos parlamentos dos países doadores, reflectindo os interesses dos contribuintes e princípios democráticos dos países de onde vinha esse dinheiro. E não eram únicos ou específicos a Moçambique. Eram padrões em casos onde os doadores se engajam em apoio financeiro directo ao orçamento do Estado.
2. Houve também um papel fundamental desempenhado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que é quem normalmente dá o sinal de se a “torneira dos dólares“ é aberta ou fechada, sinal esse direccionado não só aos doadores bilaterais e multilaterais públicos (governos e entidades como União Europeia) como também aos investidores privados. O FMI notou e tornou público que com as dívidas ocultas o governo de Moçambique violou as obrigações estatutárias do Estado Membro mandando relatórios falsos a Washington sobre as finanças públicas, e ludibriando as missões de avaliação e vigilância financeira, enquanto por detrás disso fazia negociatas com caloteiros internacionais. Isto levou O FMI a suspender de imediato o programa de assistência financeira na altura vigente até que tudo sobre as dívidas ocultasse fosse esclarecido.
3. Em acréscimo à suspensão do seu programa financeiro com o Governo (um sinal em si já bastante negativo no mundo das finanças) o FMI também emitiu outros sinais negativos fortes sobre Moçambique que o mundo financeiro não podia deixar de tomar nota. A Sra. Christine Lagarde, na altura Directora Geral do FMI veio publicamente falar que o episódio das dívidas ocultas indiciava corrupção no governo moçambicano, algo sem precedentes na altura (pelo menos que eu saiba) desviando-se da maneira usualmente muito discreta como aquela organização trata com governos de países membros em assentos melindrosos. Essa maneira muito vigorosa e pública em parte explicava-se pelo facto de que os próprios quadros do FMI sentiram-se humilhados pela gangue da Frelimo no poder em Moçambique que fez com que a instituição saísse na fotografia com a "cara de um bobo" que falhou na sua missão principal de vigilância das operações financeiras do seu "pupilo" na altura considerado (erroneamente) a estrela das reformas fiscais e financeiras em África.
4. Não menos importante, havia também a pressão de pequenos e grandes grupos financeiros internacionais, principalmente fundos de pensão e outras casas de gestão de investimentos das poupanças de cidadãos europeus e americanos que tinham comprado instrumentos financeiros burladores emitidos pelo governo moçambicano para reprogramar a dívida ilícita assim que o seu pagamento se revelou impraticável. Daí a “caça aos burladores” que levou o Manuel Chang (o Ministro das Finanças à época das dívidas ocultas) para uma prisão norte americana onde ainda hoje se encontra aguardando sentença que a ser anunciada amanhã (17 de Janeiro de 2025).
5. A tudo isso se juntou a luta abnegada de algumas organizações da sociedade civil moçambicana organizando protestos nas ruas e pressionando os próprios doadores a agirem, chegando mesmo a levar a essa pressão à suas capitais.
4. HOJE OS INTERSSES ECONÓMICOS DOS “PARCEIROS” SOAM MAIS ALTO QUE TUDO O RESTO …
No caso do actual conflito pós-eleitoral resultante da fraude escandalosa e do terrorismo de Estado praticado pelas forças do governo da Frelimo, não existem os factores com força de persuasão semelhantes aos cinco pontos acima discutidos. Se no caso das dívidas ocultas os “Parceiros externos” tinham a espada da assistência financeira ao governo, isso hoje não existe. O governo moçambicano manda à fava as leis da terra e também os tratados internacionais a que subscreveu em matérias de direitos humanos, e não há governo, organização regional ou mundial com autoridade e meios para condenar e sancionar. Antes pelo contrário, a ligeireza e o burocratismo com que o assunto é tratado é entendido pelos jagunços como carta branca para fazer ainda pior.
A arquitetura diplomática internacional não parece ter instrumentos eficazes para lidar com este tipo de situações. E na região não há país “mano” para chamar à atenção aos “juniores”. A África do Sul está uma vergonha. Sabe-se que os agentes externos do escândalo das dívidas ocultas entraram em Moçambique pela mão de operativos dos serviços de segurança Sul-Africanos. Vimos como o executivo daquele país titubeou vergonhosamente na questão da extradição do Chang para os EUA, apesar do acordo de extradição com os EUA e das decisões claras dos tribunais locais. Agora mesmo vimos a Africa do Sul a fornecer equipamento de repressão e até a mostrar apetite de intervir com as suas forças a título de proteger as rotas dos camiões de minérios que entram a partir da fronteira de Ressano Garcia, quando no fundo era para vir ajudar a Frelimo a reprimir os protestos, ajudando as suas forças a matar os moçambicanos. O Presidente Ramalhosa na qualidade de líder do ANC já congratulava a Frelimo antes mesmo de o Conselho Constitucional homologar a fraude, e no fim esta semana, quando quase todo o mundo se afastou de vergonha, ele veio testemunhar o clímax da fraude eleitoral. Isto tudo mesmo depois de o Presidente Ramaphosa ter sido humilhado com a recusa do Nyusi em permitir que os seus enviados para mediar o conflito sequer falassem com os partidos da oposição em território moçambicano.
Mais do que os gritos de socorro dos moçambicanos massacrados pelas forças do terrorismo de Estado, aos ouvidos dos “parceiros” externos hoje soam mais alto o carvão, gás natural, areias pesadas, rubis, ouro, grafites, energia elétrica, madeiras preciosas, orla marítima desprotegida da pesca pirata, caminhos de ferro, autoestradas e portos para o transporte e exportação de minérios. E com os recursos obtidos pelo governo dessas operações, parcos devido a contratos mal negociados e dos impostos não serem pagos ao Estado mas sim ao partido no poder, a Frelimo pode investir na repressão e mandar à fava os doadores numa de que não precisa mais da sua ajuda externa. Enquanto isto os serviços públicos vão se degradando deixando o povo necessitado na maior miséria que compromete o desenvolvimento e o bem-estar das futuras gerações.
Até chega a parecer que eles (os “parceiros” externos do governo!) pensam que a exploração destes recursos é mais bem feita num Moçambique como um Estado falhado.
A questão que se coloca agora é: DADO QUE NÃO PARECE EXISTIR INTERESSE EXTERNO OU CAPACIDADE PARA AJUDAR A VIABILIZAR MOÇAMBIQUE COMO PAÍS BEM GOVERNADO, E PARECENDO ATÉ HAVER UM CONLUIO INTERNACIONAL PARA MANTER UM ESTADO VIRTUALMENTE FALHADO MAS QUE COM ISSO VIABILIZA A EXPLORAÇÃO DESENFREADA DOS RECURSOS NATURAIS DO PAÍS, DE ONDE VIRÁ A PRESSÃO NECESSÁRIA E SUFICIENTE PARA TRAZER A VERDADE E A JUSTIÇA ELEITORAL E FACILITAR TODOS OS ENTENDIMENTOS E REFORMAS INSTITUCIONAIS NECESSÁRIOS PARA ESTABILIZAR O PAIS E CRIAR A ESPERANÇA NO FUTURO?
Na minha opinião a mudança só virá com a pressão resultante da luta do povo organizado, em particular dos jovens, com o apoio e organização dos partidos da oposição e das Organizações da Sociedade Civil.
Duvido que desse investimento em conversas nos gabinetes das chancelarias enquanto o povo é massacrado nas ruas venha algo que mude as coisas profundamente. A denúncia feita pelo Venâncio Mondlane às mentiras do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal deve servir de aviso. A fotografia com os partidos da oposição serve muito bem aos diplomatas para mostrar a ideia de “trabalho”. Mas serve mal aos nossos políticos que ficaram fechados e até declararam que não participavam em protestos pós-eleitorais do povo porque são violentos, mas também não organizaram os protestos pacíficos dos seus militantes. Alguns líderes desses partidos são contestados pelos seus próprios militantes por lhes terem limitado a organização desses protestos com o povo. Não se uniram com o povo para pressionar para as mudanças verdadeiras. Mas conseguem unir-se para fazer diálogos inconsequentes que só servem para lavar a imagem da Frelimo e fragilizar ainda mais a própria oposição no seio do povo.
Se quiserem ser credíveis e relevantes os partidos políticos da oposição devem também unir-se na acção de protestos organizados do povo nas ruas, e evitar que estes sejam capturadas pelos elementos violentos e agitadores da Frelimo. Enquanto deixarem isto tudo para o Venâncio Mondlane sozinho com o “seu povo”, não haverá como os protestos não serem manchados de violência porque os jovens estão justamente zangados e revoltados por serem vítimas de massacre das forças da Frelimo mesmo quando se manifestam de maneira pacífica e sem destruição de propriedade de ninguém. Aliás até há pessoas mortas sentadas a vender nas usas bancas nos mercados ou nas suas casas, para não falarmos da caça, sequestros e assassinatos de activistas.
Os líderes da Frelimo dizem “diálogo sim, mas com fogo.” E estão a matar o povo. E os políticos da oposição fazem diálogo nos gabinetes e recusam-se a organizar o povo para o seu "fogo" de manifestar pacificamente nas ruas exigindo os seus direitos. Por isso os jovens se indignam contra eles.
Virão dizer que outros é que fragilizam a oposição. Mas que não venham depois dizer que não avisamos.