Boaventura Monjane
Agora já empossado, Daniel Chapo faz história, mas não da forma que desejaria. Tornou-se o presidente com a mais gritante impopularidade e os maiores questionamentos de ilegitimidade eleitoral na história da democracia Moçambicana. Nunca antes o país assistira a uma cena como esta: enquanto decorria a cerimónia de tomada de posse quase deserta na Praça da Independência, a escassos metros dali, multidões clamavam pelo nome de Venâncio Mondlane, o principal opositor, numa demonstração massiva de descontentamento popular.
O cenário de impopularidade foi agravado por acontecimentos trágicos. No mesmo dia da investidura, as forças policiais reprimiram os protestos com violência letal, resultando no assassinato de pelo menos quatro cidadãos desarmados. Este incidente constitui um dos episódios mais sombrios de repressão estatal desde o final da guerra civil no país. A sobrevivência política de Chapo até à sua posse deve-se, em grande medida, ao apoio inabalável das estruturas estatais e de segurança, que recorreram a medidas de repressão e intimidação para sufocar as manifestações que irromperam desde meados de Outubro de 2024, aquando da divulgação dos resultados eleitorais.
Outro facto que sublinha a fragilidade do mandato de Chapo foi a ausência notável de líderes internacionais na cerimónia de posse. Entre os poucos presentes, destacaram-se apenas Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, conhecido pela sua aliança histórica com a Frelimo e os interesses estratégicos de Pretória nos recursos energéticos moçambicanos, e o presidente igualmente contestado da Guiné Equatorial. A maioria dos outros países enviou representantes de escalões inferiores, como ministros ou embaixadores, num claro sinal de desconfiança e falta de reconhecimento ao mandato de Chapo. A mensagem diplomática de isolamento internacional é tão contundente quanto inegável.
Chapo assume a presidência de um país profundamente polarizado, onde uma ampla maioria, especialmente entre os jovens, acredita que ele não venceu as eleições de forma legítima. Um estudo recente divulgado por uma ONG local aponta que mais de 65% da população urbana duvida da lisura do processo eleitoral. Esta desconfiança coloca um enorme desafio: como liderar uma nação quando grande parte dos cidadãos rejeita a legitimidade do seu governo?
Para Chapo, as opções são limitadas. Ele poderá tentar implementar reformas radicais que melhorem de forma imediata as condições de vida da população, enfrentando os principais problemas sociais como o desemprego (estimado em cerca de 40% entre os jovens), a habitação precária, o custo elevado dos alimentos, a falta de subsídios nos transportes públicos e as gritantes deficiências em infra-estruturas, saúde e educação. Contudo, essas reformas exigiriam não apenas competência administrativa, mas também vontade política, duas qualidades que até agora não se manifestaram de forma convincente. A alternativa mais provável, infelizmente, é que ele se apoie em mecanismos de repressão crescente para se manter no poder.
O discurso de posse de Chapo gerou mais polémicas do que esperanças. Observadores e analistas políticos destacaram a semelhança quase literal entre as suas promessas e o manifesto eleitoral de Venâncio Mondlane. Muitos questionam se essas promessas, embora possam parecer atractivas no papel, são viáveis na prática ou se foram apenas uma estratégia para simular um compromisso com a mudança. A história recente reforça o cepticismo: Filipe Nyusi, seu predecessor, iniciou o mandato com discursos igualmente promissores, mas terminou amplamente reconhecido como o presidente mais autoritário e sanguinário da história recente de Moçambique, deixando o país mergulhado em profundas crises económicas e sociais, além de contribuir para a descredibilização generalizada das instituições do Estado. A sua administração foi, de facto, uma década marcada por retrocessos e mediocridade.
Apesar de tudo, Chapo ainda tem uma opção, embora muito improvável: poderia dissolver o governo, destituir o parlamento e convocar eleições antecipadas na tentativa de conquistar a legitimidade que lhe falta. No entanto, para tal, teria de assegurar um processo eleitoral verdadeiramente transparente e justo, algo que contraria as práticas recentes do partido no poder.
Independentemente do rumo que seguir, Daniel Chapo inicia o mandato marcado pelo estigma de ilegitimidade e rejeição. A trajectória inicial do seu governo será crucial não apenas para a sua sobrevivência política, mas para determinar se Moçambique seguirá um caminho de maior estabilidade ou aprofundará a sua crise política e social.
SAVANA - 17.01.2025
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Jornalista. Investigador associado no Institute for Poverty, Land and Agrarian Studies, University of the Western Cape.