(CUNHA LEÃO: quem se recorda dele?)
Por Afonso Almeida Brandão
Há 62 anos, entre Junho e Julho de 1962, o “Movimento de 57” marcava uma posição sobre a guerra que um ano antes tivera início em Angola e alertava a nação para o caminho que urgia tomar naquela encruzilhada.
Esta afirmação de consciência nacional começou com a publicação do “Manifesto à Nação” subscrito pelo “Movimento de 57”, responsável pela edição do Jornal 57, Folha Independente de Cultura e expressão corrente dos pensadores da Segunda Geração da Escola da Filosofia Portuguesa. O “Manifesto” fora divulgado publicamente em Abril de 1961, na sequência do “choque violento que para todos os portugueses representou o Terrorismo de Angola” (e não só). Simplesmente, não tendo sido publicado em 1961 qualquer número do Jornal 57, só na edição Nº 11, de Junho de 1962, o jornal pôde transcrever o “Manifesto”.
Na sequência desta publicação, um grupo de animadores do “Movimento de 57” liderados por António Quadros e integrando, entre outros, Fernando Morgado, Francisco Sottomayor e Fernando Sylvan tomou a iniciativa de organizar um conjunto de colóquios sobre “O Ideal Português”, dedicados a Álvaro Ribeiro. Nesses colóquios, depois reunidos em livro com o título (O Que É o Ideal Português, Edições do Tempo, Lisboa (1962), o grupo fez a defesa desassombrada de “proposições patrióticas e nacionalistas”, desafiando “o estado de abastardamento de grande número de intelectuais portugueses”.
As conferências realizaram-se entre 20 de Junho e 25 de Julho de 1962, nas instalações da Casa da Imprensa, em Lisboa, e nelas debateu-se não apenas o início do Terrorismo em Angola e a invasão do Estado Português da Índia, ocorrido em Dezembro de 1961, mas sobretudo a natureza profunda da nossa presença em África e no Oriente.
De entre as várias intervenções então feitas sobre O Ideal Português, pretendemos recordar aqui o pensamento de um autor hoje praticamente esquecido: Cunha Leão. Ninguém, como ele, expressou melhor os pontos de vista da Filosofia Portuguesa perante a questão Ultramarina tal como ela se apresentava então; e ninguém, melhor do que ele neste período, explicou com maior rigor O Ideal Português.
Francisco José Corrêa da Cunha Leão nasceu em 1907, em Paredes, e licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Universidade de Lisboa, cidade onde se radicou (e onde se casou em 1940 com Maria Leonor de Brito Guimarães, filha do escritor Delfim Guimarães, fundador em 1899 da casa Guimarães Editores; a descendência de Cunha Leão manteve a casa editora na posse da família até ao início do século XXI). Foi professor, inspector na Direcção Nacional de Ensino, Chefe de Gabinete do Ministro da Educação, Director à época do vespertino Diário Popular (1953-1958) e, por fim, Agente Geral do Ultramar (1967-1973). Faleceu em Lisboa, em Maio de 1974.
A sua obra poética e o seu trabalho de compilador assinalam um pensamento originariamente literário: em 1948 publicou o livro de poemas “O Anjo e o Homem”; ao longo dos anos 50 organizou antologias de Gomes Leal e Teixeira de Pascoaes (com Alexandre O’Neill), de António Sardinha (com Amândio César) e de Cecília Meireles (com David Mourão Ferreira); e em 1962 voltou à obra lírica com “Naufrágio de Goa”.
É, porém, no ensaio que reside o cerne da obra de Cunha Leão: “O Enigma Português” (1960) e “Ensaio de Psicologia Portuguesa” (1971). Em 2007, aquando do centenário do seu nascimento, a Guimarães publicou um conjunto de ensaios dispersos, “Do Homem Português” (com textos introdutórios de António Quadros, António Braz Teixeira, Pinharanda Gomes e Artur Anselmo), cuja leitura desde já recomendamos vivamente.
Continue reading "LÍNGUA AFIADA: QUEM SE LEMBRA D´«O IDEAL PORTUGUÊS»?" »
Recent Comments