Por Edwin Hounnou
O Governo reunido em sessão ordinária do Conselho de Ministros criou, no dia 05 de Abril de 2023, a Comissão de Reflexão das Eleições Distritais - CRED - marcadas para 2024, como resultado de um acordo político entre o governo da Frelimo e a Renamo, como uma das condições mais importante para o fim da guerra. É esse acordo que está sendo pontapeado, como se tratasse de uma bola de farrapos. A CRED é, evidentemente, excludente, deixa de fora os partidos da oposição e a sociedade civil.
A CRED, composta por 14 membros, entre membros do executivo e outros que já se posicionaram, publicamente, contra a realização destas eleições distritais, vai estudar a pertinência ou não da efectivação das eleições distritais previstas para 2024, conjuntamente com as eleições presidenciais, legislativas e provinciais, colocadas no comando constitucional.
Assim, a CRED, criada intempestivamente, não pode ser posta em causa um comando superior. O debate tem que abranger toda a sociedade. Qualquer alteração do texto da Lei-Mãe não ser objecto de um partido por muito forte que seja ou de um grupo específico porque isso pode trazer problemas.
Na CRED não fazem parte os representantes dos partidos da oposição parlamentar, aliás, os mais interessados nestas eleições nem nenhum membro da sociedade civil conhecido, o que levanta sérias dúvidas da idoneidade desta comissão. Já se diz, em voz bem alta, que a CRED vai, tão-somente, legitimar a vontade e decisão do partido governamental que diz não haver condições materiais nem políticas para que ocorram as eleições distritais, por enquanto e como estão previstas na Constituição.
É, perfeitamente, de prever que o barulho que vai à volta desta questão ainda se vai fazer ouvir com a maior intensidade possível, pode baralhar todo o mundo e levar a conflitos sem precedentes. Se a CRED não for suficientemente cautelosa, podemos correr o risco de nos encharcarmos e comprometer o futuro de todos nós.
De facto, pode não haver condições para haver eleições distritais e isso teria que ser discutido, antes de qualquer outra coisa, pelas partes. O governo da Frelimo tinha a obrigação de chamar a Renamo, na sua parceira nessa empreitada, e colocar à mesa o problema.
A outra parte não teria que ouvir pelas declarações da sua congênere ou ser surpreendida pelo voto da bancada maioritária na Assembleia da República ou, pior ainda, por afirmações catgóricas de que não haverá eleições distritais.
A falta de comunicação ou uma comunicação incorrecta pode trazer problemas que pode levar à troca de energias e isso deve ser evitado, a todo custo. A característica de homens civilizados nota-se pela sua forma de como se comunicam e transmitem as suas ideias e pensamentos. O adiamento de consensos conseguidos com tantos sacrifícios não pode ser sujeitos a manobras dilatórias tal como nós estamos a assistir.
É motivo de fortes suspeitas a composição da CRED, preenchidas por governantes, dirigida por um antigo ministro e por personalidades que, publicamente, já se declararam contra a realização das eleições distritais em 2024. Não é nada difícil concluir de que a CRED vai, taxativamente, dizer que não há condições para que haja eleições distritais em 2024, em sintonia do que tem sido veiculado pelas autoridades governamentais e dirigentes do partido no poder.
Se essa for a sua intenção, não vale a pena estar a perder dinheiro e tempo nesse exercício de clara aldrabice e fintas. Porém, isso pode trazer, para o país, consequências muito graves que deveriam ser evitadas enquanto é tempo e não melhor caminho que estabelecer pontes de um diálogo franco, aberto e inclusivo.
A esperteza de pensar que por ter a maioria parlamentar pode fazer e desfazer, a lógica não funciona bem assim. A força das armas nem sempre resolve tudo. Na vida, pelo menos vez uma vez, uma pistola dispara água. Um professor nosso da cadeira de Armamento, dizia que precisamos ser cautelosos porque até o garfo pode disparar quando menos esperamos. A discussão à volta da relevância ou não das eleições distritais pode ser o tal garfo que vai disparar uma na vida, abrindo caminhos para conflitos.
A franqueza e humildade podem a ser a chave deste problema. O voto maioritário ou outros truques jamais serão o caminho a recomendar trilhar. O país está farto de conflitos e guerras como resultado de intolerância política que tem impetrado a forma como se faz a gestão da coisa pública.
A paz tem que ser assegurada com as duas mãos de todos os moçambicanos para nunca volte a fugir do seio dos moçambicanos.
O problema não é só discutir a pertinência ou não das eleições distritais, mas é preciso que se faça global sobre o pacote da descentralização. Tem que se ver a pertinência da figura de secretário de estado ao nível provincial que, para além de duplicar as tarefas do governador de província, atrapalha e ofusca a figura eleita pelo voto do povo.
O secretário de estado na província é uma figura da indicação do Presidente da República enquanto o governador é eleito pelo voto popular, porém, é subalternizado na acção governativa. O secretário de estado na província aparece em tudo, é "governador-chefe" escolhido pelo Chefe de Estado. Os serviços de educação e de saúde previstos desde o princípio do processo da autorização, nunca mais passaram para as autarquias. Afinal, há muito material a debater e não apenas eleições distritais que estão em causa.
Todo o pacote da descentralização deve ser reanalisado porque existe um excesso de medo pela descentralização do poder. Há muita coisa que anda mal na nossa terra.
VISÃO ABERTA – 18.04.2023
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