Livro "Eduardo Mondlane: Uma Voz Silenciada" viaja a 1969 para tentar desvendar o autor da morte do primeiro presidente da FRELIMO. O responsável "teve possivelmente ajudas dentro do partido", considera o autor da obra.
Eduardo Mondlane é uma figura incontornável no âmbito dos movimentos que lutaram pela libertação dos países africanos de língua portuguesa do jugo colonial.
O primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o partido no poder em Moçambique, foi assassinado a 3 de fevereiro de 1969, na Tanzânia, ao abrir uma encomenda que continha uma bomba com selo da então União Soviética.
Até hoje, interroga-se sobre as reais motivações por detrás do seu assassinato em Dar-es-Salam. Não se sabe como o engenho mortal chegou às mãos de Mondlane e por que razão foi ele a abrir a encomenda que continha a bomba.
O embaixador jubilado José Duarte de Jesus investigou a fundo as cinco hipóteses que tinha para tentar desvendar quem foi o autor principal da morte do líder africano. "Só havia uma hipótese", argumenta.
"Aquilo foi organizado pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e pela Aginter Presse, uma organização de extrema direita em Portugal ligada à francesa Organisation Armée Sècret (OAS), que era contra a independência dos países africanos. E depois, na prática, quem executou foi Casimiro Monteiro, que trabalhava para a PIDE e que já tinha estado implicado na morte de Humberto Delgado. Ele era um perito em bombas", explica.
Mondlane era "dos mais moderados"
O diplomata adianta que o autor do assassinato teve possivelmente ajudas indiretas dentro da FRELIMO. "Algumas ainda estão certamente vivas", admite. E lembra que Mondlane era dos mais moderados entre os líderes nacionalistas africanos.
"É precisamente por ele ter sido o mais moderado que havia interesse [em eliminá-lo]. Na altura da morte de Salazar, a extrema direita portuguesa tinha medo que o novo presidente do Conselho [de Ministros] caísse no diálogo. E, então, havia que eliminar quem? Não o mais extremista, mas o mais moderado, que poderia levar ao diálogo", argumenta.
O diálogo visava negociar a independência de Moçambique. Entretanto, passados mais de 50 anos, o investigador salienta que "o que é misterioso é que o relatório da polícia da Tanzânia desapareceu". Ou, pelo menos, "nunca mais foi publicado", complementa.
A ligação de José Duarte de Jesus a Mondlane nasceu aquando da missão diplomática que o embaixador português exerceu em Bona, Alemanha, em 1963.
Desde então, estabeleceu uma forte relação com a família, nomeadamente com a viúva do político, Janet Mondlane, e os filhos, que o levou a escrever dois livros sobre o fundador da FRELIMO. A mais recente publicação é "Eduardo Mondlane: Uma Voz Silenciada", apresentada no Instituto Diplomático, na capital portuguesa, Lisboa, na semana passada.
O filho, Eduardo Mondlane Júnior, disse que o pai, que também encarnava a qualidade de um diplomata, "estaria surpreendido, quem sabe encantado" por ter sido lançada, em 2023, uma obra sobre ele nas instalações do Instituto Diplomático.
"Foi pela perspicácia diplomática de Mondlane que, num contexto de Guerra Fria, a Frente de Libertação de Moçambique assumiu o posicionamento de não alinhamento, facto que provavelmente lhe terá custado a vida. Assim, pensamos que o simbolismo de que se reveste o lançamento desta obra, nestas instalações do Instituto Diplomático de Portugal, tem a sua razão", conta.
O filho lembra, por outro lado, que Mondlane não era apenas um nacionalista, mas acima de tudo um homem com uma visão que, indiretamente, contribuiu para a política pan-africana do então Presidente dos EUA, John F. Kennedy.
Eduardo Mondlane Jr. esteve na apresentação da obra de José Duarte de Jesus acompanhado da irmã, Nyeleti Mondlane, ministra do Género, Criança e Ação Social de Moçambique. A governante moçambicana participou no lançamento do livro a título privado.
DW – 05.07.2023
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