Ignoramos se haverá, nos Estados Unidos, muitas cidades cujo «mayor» seja um homem de cor. Talvez haja. Mas o que sabemos é que o presidente do Município de Nampula — esta cidade--milagre a que o jornalista Alves Pinheiro chamou, com toda a propriedade, a Brasília de Moçambique — é um preto retinto. E sabemos também que o almoço para que ele em Nampula nos convidou — num restaurante de categoria equivalente à dos melhores de Lourenço Marques — abre, espectacularmente, com uma lagosta de grande tamanho, armada a capricho.
— Hoje o sertão acabou-se. Todos os dias nos chegam da costa lagostas pescadas em Nacala e peixe idealmente fresco. Terrível era no tempo de meu pai — comenta Pedro Baessa, o nosso anfitrião.
O pai de Pedro Baessa era cabo-verdiano. Serviu, como guia de colunas militares, sucessivamente sob as ordens de Mouzinho, de Aires de Orneias e de Neutel de Abreu. Vai ter agora um monumento em Nampula — o monumento erguido, simbolicamente, à memória de todos os homens negros, leais colaboradores dos portugueses brancos nas campanhas de ocupação e pacificação do território.
Em Inhambane, o pai do actual presidente do Município de Nampula casou com uma nativa. Desse casamento nasceu, há 61 anos, Pedro Baessa. Este, porém, dá-nos a surpreendente impressão de não ter mais de 31 anos, tal a desenvoltura dos seus movimentos e tal a vivacidade com que se exprime, numa voz bem timbrada, vigorosa. Isto, a juntar ao facto de não lhe descobrirmos nem um só cabelo branco.
— É que — explica Pedro Baessa — passei toda a minha juventude longe das cidades, sempre ao ar livre, em pleno mato: era caçador profissional de elefantes.
— E agora?
— Às minhas actividades de caçador sempre juntei as de prospector. Hoje tenho alguns jazigos registados em meu nome, entre os quais um de tantalite (para cuja exploração me associei com uma empresa mineira de Angola) e outro de turmalinas.
Intervém um dos nossos companheiros de viagem, Aldo Trippini, director da delegação em Lisboa da «United Press»:
— Senhor Pedro Baessa, o facto de ser negro tem-lhe acarretado dificuldades no desempenho das suas funções de presidente do Município de Nampula?
A resposta é categórica: — Absolutamente nenhumas. Todos me têm prestado a melhor cooperação. O contrário, aliás, surpreender-me-ia. As questões, na África portuguesa, nunca se põem, efectivamente, em termos de diferenças étnicas, de incompatibilidades raciais...
Cabe-nos a nós formular a pergunta seguinte: — Diga-nos, Pedro Baessa, está seguro de que os pretos de Moçambique são (aparte aquelas excepções que só justificam a regra) fiéis a Portugal?
— Os negros que eu conheço, quer sejam católicos, quer sejam maometanos, são fiéis a Portugal.
E mais: estão dispostos a bater-se, se for preciso, para defenderem o seu direito de continuarem a ser portugueses.
Esta é a resposta firme e viril que ouvimos da boca do presidente do Município de Nampula. Mas insistimos:
— Aludiu aos católicos e também aos maometanos. E quanto aos protestantes?
— Por aqui não há protestantes. Só lá mais para o Norte. Mas não sei. Não tenho contactos frequentes com eles. Não os conheço bem...
Aldo Trippini formula a terceira pergunta desta singular entrevista a três:
— Que pensa do «apartheid», senhor Pedro Baessa?
De pronto, sem a mais leve hesitação, Pedro Baessa replica:
— Sem com isto pretender imiscuir-me na política interna de um país que não é o meu, sob o ponto de vista moral penso que é uma desumanidade. Aos olhos de Deus todos os homens são, por igual, Seus filhos e eu creio em Deus.
Pedro Baessa foi oficialmente convidado pelo dr. H. Banda, com o governador do distrito de Moçambique, Granjo Pires, e com um dos vogais, pelo distrito, do Conselho Legislativo da província, o sr. Assahel Mazula, a assistir em Zomba às festas da independência do Malawi. Impunha-se-nos assim a pergunta:
— Que pensa do dr. Hastings Banda?
— Já anteriormente falara com ele, quando aqui veio. É um homem inteligente e que soube compreender que os interesses vitais do seu país (bem como os da Zâmbia) coincidem com os de Portugal em Moçambique.
— Falou com o dr. Banda? Mas em que língua? — quer saber Aldo Trippini.
— Em inglês, naturalmente. Mas, além do inglês, falo também o francês, o macua e ainda o nianja, que é, como sabe, a língua nacional do Malawi.
— Está então seguro de que o Malawi será um bom vizinho para os portugueses, em Moçambique?
— É uma nova pergunta do nosso companheiro de viagem.
— Sim. Creio — acentua Pedro Baessa — que o Malawi será, para nós, um bom vizinho.
— Tem filhos? — Foi esta a nossa última pergunta.
—• Quatro. Dois rapazes e duas raparigas. Ambas, por sinal, em Coimbra. A mais velha na Universidade, aluna da Faculdade de Ciências. A outra no Colégio de Santa Cruz.
Terminara a entrevista. Levantamo-nos da mesa. E Pedro Baessa, depois de acender o cachimbo a que permanece fiel desde os seus tempos de caçador de elefantes, observa, sorridente:
— Foi terrível, sabem? Os senhores quase que não me deixavam almoçar...
— Vimos, porém, que o Pedro Baessa não é dessas pessoas que se assustam com os jornalistas...
— Lá assustar, não me assusto. — Ri. — Mas, em todo o caso, antes preferia defrontar um elefante, no mato.
In Portugal do Capricórnio de Dutra Faria(Págs 158 a 163)
*Pedro Baessa, Presidente da Câmara Municipal de Nampula e deputado à Assembleia Nacional (entre 1969 e 1973).
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