Por António da Cunha Duarte Justo
“Nacionalizações” da Ortodoxia e Irritação entre Igrejas
As sociedades em desenvolvimento natural ou em processo de afirmação precisam, de um tecto metafísico que lhes dê consistência e uma cobertura possibilitadora de identificação e de fomento de comunidade. Na China temos o comunismo/confucianismo, no Ocidente os valores e direitos humanos (cristianismo), na Rússia a Ortodoxia, em países de cultura árabe o islão, na Índia o induísmo…
A Igreja Ortodoxa Russa encontra-se numa situação muito complicada já desde o colapso da União Soviética e especialmente agora porque a guerra tem forçado as diferentes denominações a tomarem uma posição política clara! Num momento em que os nacionalismos se afirmam, surgem as “nacionalizações” da ortodoxia...
O Papa disse que Cirilo não deveria ser “ministro de Putin mas também não esqueceu de dizer que “o verdadeiro "escândalo" da guerra de Putin era "o ladrar da NATO às portas da Rússia", fazendo com que o Kremlin "reagisse erradamente e desencadeasse o conflito"!...
Na realidade, o argumento “desnazificar a Ucrânia”, usado por Putin para invadir o país, é inadmissível e situa-se na mesma lógica imperialista de intervenções levadas a efeito pelos EUA/NATO em nome da defesa dos valores europeus que diziam defender na terminada guerra do Afeganistão, etc.! Esta lógica, sempre nas mãos de potências fortes (tal como o recurso ao bloqueio Comercial) faz parte das estratégias elaboradas para afirmar a confrontação/rivalidade e impedir o surgir de uma cultura que tenha como base e fim a paz entre os povos! Uma cultura da paz terá de superar a estratégia de visão linear ou causal exclusiva para passar a uma estratégia de visão multifacetada numa relação de complementaridade inclusiva.
Não há perspectiva sem paisagem
O Patriarca Cirilo I na qualidade de chefe religioso encontra-se entre a espada e a parede; entre a fidelidade ao evangelho e o papel institucional político (poder)!...
Na Rússia a ortodoxia revela-se como factor de identificação nacional e de união do seu povo; o comunismo já não serve a unidade, a ortodoxia compensa essa falta de que se socorre o poder secular em termos de complementaridade. Na relação Estado-Igreja, Cirilo deu prevalência à perspectiva cristandade descurando a do cristianismo!
Um outro aspecto a ter em consideração reside nas distintas velocidades a que andam as diferentes culturas em termos de sua contextualização e factores de identificação; estas expressam-se nas sociedades e na História (sociologia, política…) com rosto próprio, o que não legitima uma cultura arrogar-se o direito de condenar ou se impor à outra e para mais numa situação em que se encontram razões de Estado frente a frente.
O Ocidente, constituído por unidades de povos mais ou menos homogéneos, usa hipocritamente de um argumento para se insurgir contra centralismos que não respeitam as identidades legítimas nos seus países e, em seu benefício, faz uso do argumento da democracia e dos direitos humanos para intervir e desestabilizar povos multiculturais onde a colonização interna ainda se encontra em processo. Deste modo, o imperialismo económico junta-se ao mental servindo-se de expressões moralistas como legitimadores do fomento de estruturas de violência.
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