Por João Feijó
Ao longo das últimas semanas, um problema estrutural que requeria uma solução política e sensível tem sido gerido, da parte do Governo de Moçambique, como se de um problema de segurança se tratasse.
A incapacidade de lidar com este fenómeno social desencadeou um levantamento popular que parece difícil de reverter-se. Num cenário de anarquia generalizada, em que o poder está a cair na rua, que cenários se equacionam nas próximas semanas?
“Da Frelimo é o povo” à “Frelimo com medo do povo”
Há 5 décadas atrás, assistia-se ao fim de um ciclo 50 anos de fascimo colonial. Não obstante a resistência dos sectores leais às forças portuguesas, a Frelimo conseguiu conquistar amplos apoios na sociedade, particularmente em zonas rurais do Norte e centro de Moçambique, nos bairros periféricos urbanos e, inclusivamente, entre sectores mais progressistas da sociedade colonial, nomeadamente entre estudantes, juristas, jornalistas ou no seio das forças armadas portuguesas.
A Frelimo apresentava-se como um movimento de libertação da opressão, mas, também, de redistribuição e de justiça social.
De discursos socialistas assentes na “libertação do homem e da terra”, nas décadas seguintes emergiram novas visões, assentes na possibilidade de os povos anteriormente colonizados se poderem tornar capitalistas.
Antigos libertadores foram-se transformando em latifundiários e accionistas, no sector da banca, mineiro ou da segurança privada. Reproduziu-se o mesmo sistema de relações sociais, produtor de exclusão e de desigualdades.
Cinquenta anos depois, um novo movimento de protesto emerge a nível nacional, abrangente a vários sectores da sociedade. Os vídeos que circulam na internet permitem constatar a existência de um amplo descontentamento entre:
Jovens desempregados, que sobrevivem do desenrasca diário, residentes nas principais cidades do País (Maputo, Matola, Nampula, Nacala-Porto, Chimoio, Moatize, etc.), mas também em pequenas vilas transfronteiriças (Ressano Garcia e Machipanda) e locais de implementação de grandes projectos extractivos (Inhassoro, Inhassunge, Moma ou Montepuez);
Adolescentes ociosos, em virtude da greve de professores do ensino secundário público, em condições crescentemente precárias, mas também estudantes universitários, em cerimónias de graduação e nas residências universitárias;
“Mamanas” que marcham nas ruas, em protesto contra as condições de vida e assassinato dos seus filhos, quer daqueles que estão nas manifestações e são vítimas das forças policiais, quer daqueles que são agentes da polícia e, sem meios de trabalho, enfrentam a vingança popular;
Funcionários públicos, descontentes com a introdução da Tabela Salarial Única ou atrasos no pagamento de horas-extra, com destaque para os profissionais da educação, da saúde ou da justiça;
Pequenos comerciantes do sector formal, incomodados com o mau ambiente de negócios, excesso de burocracia, corrupção de fiscais oportunistas, elevadas taxas de juro, falta de apoios a actividades económicas e insegurança;
Especialistas e profissionais liberais, com destaque para juristas ou jornalistas;
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