Por Edwin Hounnou
A Rádio Moçambique (RM) chamou um grupo de religiosos - muçulmanos, e evangélicos - para o programa Linha Directa, que vai para o ar aos sábados de manhã, a fim de se pronunciarem sobre as manifestações contra os resultados eleitorais do dia 09 de Outubro findo, que atribuem vitória à Frelimo e ao seu candidato presidencial.
As contestações, ora em curso, contra as fraudes eleitorais chegam de todos os quadrantes do país por as eleições terem sido massivamente fraudulentas. Aqueles religioosos fingiram não terem visto o que a gente enxerga, sem precisar de meios especializados, necessitando, apenas, um pouco de inteligência e bom senso.
Os pronunciamentos daqueles religiosos me fizeram voltar aos tempos das homilias (interpretação da palavra de Deus) que ouvia nas enfadonhas missas celebradas por padres da Missão Católica de Marera, província de Manica, para onde nos obrigavam ir pela Páscoa e Natal. Os padres falavam até do sexo dos anjos e de outras paranoias.
Aqueles padres nos convidavam a aceitar sofrimentos por que as populações e diziam que o "reino de Deus era dos que, em silêncio, suportavam os flagelos". Convidavam aos cristãos a engolirem as barbaridades do regime colonial porque receberiam o reino de Deus. Nessa Linha Directa da RM, ouvíamos os religiosos a desencorajarem as manifestações e a convidarem os desavindos com o regime para se conformarem.
Aconselhavam os religiosos às populações que aguardassem o anúncio dos resultados pelo Conselho Constitucional. Aqueles sheiks, maulanas, pastores e apóstolos pareciam concertados com a Frelimo para darem ópio ao povo. Nós concordaríamos se aconselhassem aos manifestantes para não vandalizarem bens públicos e privados, que se concentrassem apenas na exigência da transparência dos processos eleitorais.
Aqueles religiosos não explicaram o que pesou para que as populações se manifestassem. Limitaram-se a dizer para o povo aguardar pelo Conselho Constitucional anunciar os resultados. Esses religiosos comparam-se aos padres arregimentados ao regime colonial-fascista que convidavam o povo a se ocupar apenas de Deus e abandonar as coisas do mundo para ganharem a vida eterna.
Na Paróquia da SOALPO dos tempos dos Padre de BURGOS, começámos a ouvir outro tipo do Evangelho, que a resignação era uma atitude de cobardia e os cobardes não podiam ser amigos do Senhor. Convidavam aos cristãos para lutarem por mudanças. O convite à luta chegava de Mocumbura, de Moatize, de Murraça, das missões dos Padres de Burgos. Ensinavam que não poderiam haver paz enquanto houver oprimidos, explorados, por um lado, e opressores e explorados, por outro. Isso ainda é válido.
Ainda ecoam, nos nossos ouvidos a voz dos padres José Maria Lerchundi, Miguel Buendia, Júlio Monroe, José de las Casas (padre Pepe), que repousa, desde 2014, no Cemitério da Lhanguene; Vicente Berenguere, que construíu escolas e centros de promoção da mulher; Jesus Camba Gomez, entre outros que pareciam nada temer o que a PIDE/DGS poderia fazer contra si. Cada missa era um verdadeiro convite à luta.
Fomos descobrindo que um bom cristão não aceita a injustiça. repulsa pela resignação.
Às missas dominicais da Paróquia da SOALPO ocorriam não só os crentes da zona da fábrica téxtil mas até militares portugueses quecprocuravam ouvir uma outra versão do Evangelho. Deixavam as capelas dos seus quaréis às moscas para escalarem a SOALPO para irem ouvir o Evangelho de luta do povo pela sua libertação.
Isso não agradava ao regime colonial que prendeu a uns e expulsou a outros de Moçambique. Alguns, por solidariedade com os companheiros expulsos, abandonaram, também, Moçambique. O Pepe, então director do nosso Lar de Estudantes, no Bairro de Macurungo, na Beira, manteve-se firme do nosso lado até à derrocada do colonialismo.
Havia missionários católicos portugueses do lado do povo. O arcebispo de Nampula, Dom Manuel Vieira Pinto, que nos salvou das perseguições movidas pelo coronel Lago Lidimo, chefe da Contra-Inteligência Militar, um carrasco que nos prendeu e mandou torturar. Manuel Vieira Pinto intercedeu, por nós, junto do presidente Samora Machel para que não fôssemos presos e mortos, como aconteceu com tantos outros.
Mais ainda, dois padres portugueses da Paróquia de Macuti, em 1973, na Beira, interditaram a um grupo de escuteiros de entrar, na igreja, com a bandeira portuguesa, separando, desse modo, a Igreja do Estado, o que lhes custou a prisão pela PIDE/DGS.
Os bispos Sebastião Soares de Resende, da Beira, Manuel Vieira Pinto, de Nampula, mais tarde, Jaime Gonçalves, da Beira, foram figuras da Igreja dos pobres. Da Igreja dos oprimifos e dos excluídos. Não se renderam ao regime dos antigos colonos nem ao regime dos corruptos de Moçambique. Luiz Fernando Lisboa, o representante da Igreja dos pobres, o Papa Francisco teve que o resgatar de Pemba onde estava sob as garras do regime de Filipe Nyusi correndo sérios riscos de ser morto numa emboscada qualquer ou por uma bala perdida.
Há missionários comprometidos com o povo e com o povo se identificam plenamente. Nem todos os missionários ou dirigentes religiosos apelam à rendição dos pobres, dos explorados como aqueles clérigos foram à Linha Directa do sábado de 04 de Novembro.
CANAL DE MOÇAMBIQUE - 20.11.2024
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