Falam português; podem ser portugueses ou brasileiros. vamos segui-los!"
Blog Sitio do Sergio Leo
Quarta-feira, Janeiro 30, 2008
Eram dois rapazes do Timor Leste, enviados à Indonésia em um momento de distensão da ditadura Suharto, que, antes simplesmente isolava os timorenses do mundo. Agora, estudantes podiam cursar a Universidade, desde que em áreas como agronomia, ou veterinária. Direito, Ciências Sociais, Engenharia, Economia ainda eram tabu para pretendentes timorenses ao ensino superior.
Os dois, universitários, pois, estavam em um supermercado, quando ouviram vozes numa língua familiar, na língua do colonizador que havia se tornado língua da resistência. O português, por uma das ironias que são privilégio da História, havia se tornado fator de unidade nacional, elemento citado com orgulho pelos timorenses para argumentar que seu povo não e sujeitaria a ser satélite da anglófona Austrália, e era diferente dos que habitavam o arquipélago da Indonésia, sujeitos a uma eficiente ditadura, do agrado dos Estados Unidos e Europa e cruel como só os viventes na ditadura sabiam ser possível.
Os dois conspiradores timorenses descobriram, pela língua, dois turistas de língua portuguesa, e os seguiram, até um restaurante, onde, após algum tempo de vigilância, decidiram apelar aos irmãos de idioma para fazer chegar seu apelo ao mundo. Não sabiam que os turistas eram brasileiros vivendo em Portugal (circunstância que seria preciosa, como descobriram mais tarde).
Estavam em 1989, ano da queda do muro de Berlim, símbolo do fim da Guerra Fria que acobertou o expansionismo de Suharto, invasor de Timor Leste em 1975, ano da queda do fascismo em Portugal.
O problema dos insurgentes de Timor, país com uma patética população de 200 mil habitantes, era tornar conhecida a reivindicação de independência do povo timorense. Ao abordarem a dupla de falantes de português, foram saudados com entusiasmo; brasileiros, integrantes de um grupo artístico de relativo sucesso chamado "Os Batatinhas", eles ficaram encantados em ser abordados na língua materna, ainda que seus interlocutores falassem com alguma dificuldade. Um deles, como muitos em Timor, havia aprendido português na escola secundária e relegado a língua ao mesmo porão cinzento onde costumamos largar os conhecimentos impostos e inúteis.
Era a língua da resistência, sim, mas, como os insurgentes, sofria um bocado para ter direito a um lugar seu, naquele canto da Ásia.
Com ligeira relutância e muita solidariedade, Os Batatinhas gravaram, com equipamento de turista, os manifestos de 14 insurgentes timorenses, inclusive os dois que os haviam abordado no supermercado. Um deles pedia armas para a guerra contra a Indonésia. Outros falavam da repressão e das esperanças em Timor. Ao voltarem a Portugal, Os Batatinhas entregaram a fita na RTP, a brava tv estatal portuguesa, e desencadearam uma saraivada de reportagens sobre os irmãos de língua portuguesa que ambicionavam a independência no Sudeste Asiático. Tenho dúvidas sobre o que aconteceria com esse vídeo se chegasse a alguma tv comercial brasileira. Sei que muito possivelmente não despertaria a repercussão que causou em Portugal.
A diáspora timorense passou a se articular. As Embaixadas do Brasil e Portugal na Indonésia se tornaram pontos seguros para os conspiradores. Dez anos depois, Timor era um país livre, motivo até de um belo documentário da eterna escrava Isaura, a minha, a sua, a nossa Lucélia Santos.
Suharto, por coincidência morreu na mesma semana em que os timorenses fizeram brindes emocionados com Lula.
"Não sei como se chamavam Os Batatinhas, sei que um era João, o outro Fonseca", me disse, nessa quarta-feira, o hoje assessor de assuntos internacionais da preidência do Timor, José Turquel de Jesus, insurgente que, em 1989, pedia armas, no vídeo dos Batatinhas. Ele me disse que tentou encontrá-los, anos depois, mas sem sucesso. A poucos metros, à mesa com Lula e o presidente timorense, José Ramos Horta, estava a Lucélia, com quem eu puxei uma conversa simpática e de tiete, ao chegar para o convescote. Simpaticíssima. Budista da linha tibetana.
Pouco tempo depois, acabava o almoço, e nem pude contar à Lucélia, que continua uma gracinha, do grande tema de um novo filme que ela poderia tramar, com a história que o doutor Turquel de Jesus me contou enquanto eu brigava com o chã de dentro que o Itamaraty comprou em licitação como filé minhon. O almoço acabava, os repórteres convidados assanhavam-se, que remédio: parti com a tropa para cenas de jornalismo explícito com o Lula.
As melhores matérias são as que não temos condição de escrever. Um dia alguém há de fazer livro sobre os conspiradores de Timor. A Lucélia, quem sabe, pode dar uma dica de como transformá-lo em filme; pode ser até que reencontrem os Batatinhas.
Publicada por Malai Azul
In http://timor-online.blogspot.com/
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