Com ‘Transparente’, o novo álbum produzido pelo conceituado Jacques Morelenbaum, Mariza está prestes a escrever um novo capítulo na sua carreira. Pela primeira vez, a fadista mostra o lado mais pessoal da sua música, marcado por sentimentos profundos, mas também pela sua forte personalidade.
Correio da Manhã – ‘Transparente’ foi gravado no Brasil, com um dos maiores produtores do Mundo, Jacques Morelenbaum. Como aconteceu?
Mariza – Foi gravado no Brasil, simplesmente porque o Jacques é brasileiro. Se fosse chinês, teria ido até à China! Fazia todo o sentido sermos nós a voar para lá, porque toda a atmosfera de trabalho do Jacques está estruturada no Brasil. Para mim foi óptimo porque me permitiu estar completamente concentrada no disco. Se estivesse em Lisboa teria muitos factores de distração.
– Trabalhar com Morelenbaum era um sonho ...
– Sempre sonhei com o dia em que ele pudesse produzir uma canção para mim. Afinal, acabou por produzir um álbum inteiro! Era um sonho que tornou-se realidade na altura certa. Há dois anos, provavelmente, não conseguiria ter feito este disco, porque não tinha maturidade suficiente para cantar desta forma e sentir a música de forma tão ‘transparente’.
– Neste trabalho, assume uma postura mais íntima e pessoal. A que se deve esta mudança?
– Este disco reflecte-me completamente. Por isso, é ‘transparente’. Tem a minha personalidade, que está cada vez mais madura e forte. Gosto de olhar para ele como um livro que tem som, um livro que vamos descobrindo capítulo a capítulo e que no final tem uma história. Sem ter sido consciente, há um fio condutor que une estes poemas.
– O fado parece estar menos vincado...
– Neste momento faço música, não fado. Sei que a minha interpretação é de fado e creio que as linhas e as tradições do fado foram respeitadas. Mas nunca me auto-intitulei fadista, nem nunca o irei fazer. Se sou fadista ou não, o público que tem de decidir. Uma vez, quando estava a falar com o Jacques sobre fado (aquilo que se pode fazer, até onde se pode ir, etc), ele disse-me qualquer coisa como: ‘Acho que ainda não percebeste. Nós estamos a falar de música’. Este disco é isso mesmo: apenas música.
– As palavras também são mais leves...
– Em ‘Fado Curvo’ as palavras eram muito mais duras e densas e, por isso, era um disco mais difícil de entender. Neste disco não é preciso mergulhar tão à séria no universo do fado.
– É um virar da página?
– É um novo capítulo. ‘Fado em Mim’ são todos aqueles fados que ouvia em pequena e que me marcaram. Depois, ‘Fado Curvo’, funcionou como uma afirmação. Quis mostrar que também sabia escolher poesia, fazer fados novos, cantar. Comparando com o processo de crescimento, ‘Transparente’ é o disco em que deixo de ‘gatinhar’ e começo a ‘andar’. Sinto que já não tenho nada a provar.
– Está prestes a iniciar uma nova digressão, que a levará novamente a percorrer o Mundo. Ainda sente um nervoso miudinho antes de subir ao palco?
– Com este disco deixei de sentir. Não existe medo, só prazer. Além disso, estou ansiosa por regressar à estrada.
– Como será o novo espectáculo?
– Tenho um novo baixista e um violoncelista. Nas grandes salas, como o Olympia (Paris) ou o Carnegie Hall (Nova Iorque), vamos ter mais cordas. Vão ser concertos muito mais intimistas, até porque a música deste disco é muito mais sensual e aveludada.
– É conhecida pelo visual irreverente. Mas para este disco mudou algo na sua imagem...
– Cansei-me das ondas do cabelo, que vão deixar de aparecer por algum tempo. Também a forma de vestir está um pouco mais simples, porque é assim que estou a encarar o palco.
PERFIL
Nasceu em Moçambique mas cresceu na Mouraria e, talvez por isso, foi inevitável apaixonar-se pelo Fado. Aos seis anos, Mariza já cantava e frequentava Casas de Fado, mas o grande público só a descobriu em 1999, num concerto de homenagem a Amália Rodrigues, no Coliseu dos Recreios. O primeiro disco, ‘Fado em Mim’, lançado por uma editora holandesa, surgiria em 2001 e, desde logo, valeu a Mariza o rótulo de ‘diva’ tanto em Portugal como além-fronteiras. Em 2003, a fadista recebeu o prémio da BBC Radio 3 para Melhor Artista Europeia na categoria de ‘world music’ e foi considerada Personalidade do Ano pela imprensa estrangeira em Portugal. Pouco depois, editou ‘Fado Curvo’, o segundo disco, que viria a repetir o êxito. Em apenas quatro anos, Mariza já esgotou palcos nos quatro cantos do Mundo (alguns tão importantes como o Queen Elizabeth II Hall em Londres, ou a Ópera de Frankfurt), recebeu inúmeros prémios e distinções, abraçou causas e fez duetos com nomes sonantes, casos de Sting ou Daniela Mercury.
CONCEPÇÃO INOVADORA
Produzido pelo brasileiro Jacques Morelenbaum (que já trabalhou com Sting e Ryuichi Sakamoto), ‘Transparente’ traz novos arranjos aos fados tradicionais, instrumentos de cordas (violoncelo, violinos), bem como uma concepção sonora final inovadora na música de Mariza. Brindando o público com a sua voz colossal (mas agora um pouco mais contida), Mariza interpreta temas inéditos, assinados por Aldina Duarte, Mário Raínho, Paulo Carvalho, Rui Veloso, Pedro Campos e Paulo Abreu Lima, entre outros, além de revisitar poetas como Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Alexandre O’ Neill e Vasco Graça Moura. Nomes que, confessou ao CM, fazem “todo o sentido” figurar ao lado do seu, já que contam-se entre as suas “principais referências”. Entre os 14 temas que compõem o disco, três são recriações em homenagem a Amália Rodrigues, Fernando Maurício e Carlos do Carmo, aqueles que a cantora continua a considerar os seus “mestres do fado”. Mariza apresentará ‘Transparente’ ao vivo, pela primeira vez, no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, na próxima sexta-feira, pelas 22h00.
Vanessa Fidalgo
CORREIO DA MANHÃ - 17.04.2005
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