Carlos Saura, diretor do filme que deve estrear no festival de Cannes em maio, lembra que o gênero, historicamente português, surgiu no Brasil numa mistura da modinha européia com o lundu africano
Beatriz Coelho Silva, RIO
Para quem pergunta ao diretor Carlos Saura por que Caetano Veloso, Chico Buarque e Toni Garrido estão em seu próximo filme, Fados, ele lembra que o gênero, atavicamente português, surgiu no Brasil, numa mistura da modinha européia com o lundu africano. "Além disso, os três são grandes estrelas no Brasil e em Portugal", acrescenta o diretor, que já conhecia o trabalho de Chico e Caetano, e soube de Toni Garrido por indicação do produtor Ivan Dias, que o vira em Orfeu, de Cacá Diegues. "É interessante mostrar como Portugal e África se misturam no Brasil, com um resultado cultural interessante."
A gravação de Chico Buarque, cantando Fado Tropical, dele e de Ruy Guerra, acontece hoje num estúdio em Madri. Caetano Veloso gravou, no início do mês, Estranha Forma de Vida, do repertório de Amália Rodrigues, imprescindível em seus shows lusos, mas as primeiras cenas de Fados foram Garrido cantando o lundu Menina, o que Tens? de autor desconhecido, enquanto um grupo de bailarinas sambava em pontas. O cenário reproduzia o Palácio de Queluz, monumento lisboeta de 200 anos, época em que a família real portuguesa se refugiou no Brasil, corrida pelas tropas de Napoleão Bonaparte. Segundo os historiadores, foi quando o fado nasceu.
Garrido estreou no palco como Judas, em Jesus Cristo Superstar, e diz que filmar com com Saura foi um passo importante em sua carreira, com quase duas décadas. "Ele me deixou à vontade para cantar. Em cima do arranjo do pianista português Rubem Alves, coloquei percussões de Ronaldo, filho de Robertinho Silva", conta ele.
A gravação durou três dias e o filme deve estrear no próximo festival de Cannes, em maio, mas Garrido não faz planos quanto a alavancar uma carreira internacional. "No meu currículo tenho dois filmes, Orfeu, com Cacá Diegues e, agora, Fados, com Saura. É muito importante ter feito estes trabalhos com o capricho dos dois diretores que considero o máximo, e o que vai resultar disso não é melhor do que a experiência de estar em seus filmes. Até porque o Cidade Negra, meu grupo, há muitos anos se apresenta em festivais na Europa, tão importantes quanto os os shows que fazemos no Brasil."
A idéia de Fados é do produtor Ivan Dias, que obteve 13 milhões para o que ele considera o complemento de uma trilogia sobre gêneros musicais surgidos no século 19 e que perduram até hoje, o tango, o flamenco e o fado. "É um grande orçamento para Portugal e médio para a Espanha", adianta Dias. "Mas só levei dois minutos para convencer Saura a fazer este filme porque ele conhece música a fundo, é filho de uma concertista e professora de piano, e ouve fado desde criança."
Saura faz coro e avisa que a música é fundamental em seus mais de 40 filmes, sendo o assunto principal em uma dezena deles, tendência acentuada nas últimas décadas, quando rodou Ibéria, Tango, Flamenco e Sevillanas. Ele não fala muito sobre o filme atual, só conta que o título está no plural porque há vários tipos de fado e por que escolheu os brasileiros: Chico Buarque devido ao Fado Tropical , "um resgate do gênero em Portugal", a primeira música que associou fado aos tempos de liberdade inaugurados com a Revolução dos Cravos, em 1975. Caetano Veloso entra filme devido ao sucesso que faz em Portugal e na Espanha e Garrido porque é o melhor exemplo da mistura Portugal e África.
O diretor não desconhece que o Brasil tem o choro, gênero tão antigo quanto o tango e o flamenco, que também está em pleno vigor. Ele se apressa a explicar que o choro não entra nessa série porque, no início do ano que vem, pretende rodar um filme no Brasil, ambientado no meio musical. "Estive aí em 2005 para um festival de cinema e para negociar este filme, mas não posso adiantar com quem farei nem a história porque ainda estamos trabalhando nisso", desculpou-se. Ele, no entanto, adianta que não será uma história musicada, como El Amor Brujo, nem um documentário recheado de números musicais como Fados, talvez uma mistura de história real com uma tênue ficção, como Tango. "Mas pode dizer que meu próximo filme será brasileiro. Como gosto imensamente de música, seu País me encantou."
http://txt.estado.com.br/editorias/2007/02/14/cad
Recent Comments