Nuno Lopes (texto) e Miguel A. Lopes (fotos), da agência Lusa
Lisboa, 16 Nov (Lusa) - Paco Bandeira decidiu deixar de gravar discos depois de "Canto do espelho", o álbum que apresentará sábado no Coliseu de Elvas, um momento que qualificou à Lusa como um "regresso às origens para fechar um ciclo e iniciar outro".
"Neste espectáculo irei fazer uma retrospectiva da minha carreira e cantar algumas das canções mais significativas, umas sete ou oito, e apresentar este novo disco que será o último que farei e que é um reflexo das minhas inquietações", disse o cantor.
"Não me parece que consiga fazer melhor e prefiro ficar por aqui, não volto a gravar mais nenhum disco, só me iria repetir", sublinhou.
O espectáculo em Elvas será gravado em alta-definição com vista à edição de um DVD "para ficar para o futuro e para que possam vir a perceber porque faço estas coisas e com que intenção".
Quanto ao futuro de Paco Bandeira, 62 anos, "passa por fazer outras coisas, nomeadamente televisão".
O autor de "Ó Elvas, ó Elvas" está empenhado com outras pessoas, como Nicolau Breyner e António Saleiro, na Televisão do Sul de Portugal.
"Um projecto em que a televisão não se mostre à gente mas que veja essa gente", enfatizou.
"Farei com a televisão o que fiz com a música. A ideia é criar uma voz nossa, defender as nossas tradições, os nossos costumes, a nossa gente, aquela gente que é ignorada", declarou.
À televisão e à rádio públicas Paco Bandeira não esconde críticas.
No seu entender a RTP e a RDP "que todos nós pagamos, não cumprem o serviço público".
"São algumas televisões privadas que fazem o serviço público que a RTP devia fazer", afirmou.
"O serviço público de televisão está limitado a algumas invejas e maldadezinhas de certas pessoas que foram postas lá com essas características quase para se vingar da cultura em Portugal", afirmou.
É ao presidente do Conselho de Administração da RTP, Almerindo Marques, a quem aponta o dedo: "Apesar de eu achar, como contribuinte, que Almeirindo Marques não devia estar à frente da televisão, ele não tem o direito de vetar o Paco de Bandeira que as pessoas gostam, só porque nos zangámos".
"Tivemos um problema pessoal e ele vingou-se", disse, qualificando as recentes divergências vindas a público como "uma brincadeira".
Quanto à rádio pública, a voz de "Onde o sol castiga mais", aponta o dedo a José Nuno Martins, Provedor do Ouvinte.
José Nuno Martins "foi o maior estrangeirista musical que eu conheci", acentuou.
Com uma carreira de 40 anos, Paco Bandeira afirma-se "constrangido" em falar de si mas sempre vai recordando este ou aquele espectáculo, esta ou aquela memória.
A guitarra oferecida por Joan Baez, as primeiras partes que fez dos espectáculos de Johnny Cash, Hermínia Silva, que o "obrigou" a cantar, pois tinha "um cagaço enorme", como confessou à Lusa, ou a partilha de palco com Amália Rodrigues.
Recordou o que foram 12.000 pessoas a aplaudi-los [Amália e Paco] no Roy Thomson Hall em Toronto, na década de 1990.
Além de Toronto actuaram juntos em Denver (Colorado), Nova Iorque, Filadélfia (Pensilvânia) e Paris.
"Amália era uma força da natureza, excelente pessoa, não gosto de falar dela pois há aí tantos viúvos e tanta gente que fala dela", disse.
Mesmo assim, recorda tardes passadas em sua casa com Maluda e "Amália a jogar aos matraquilhos e a cozinhar", tendo confidenciado ainda: "Há aí tantas pessoas que hoje dizem maravilhas sobre ela e que ela detestava, sabia eu que ela as detestava".
Mário Cesariny, a quem Hermínia Silva o apresentou em 1967, e com quem fez "algumas cantigas" é outra das personalidades que refere, assim como o pintor Francisco Relógio.
De Cesariny mostrou com tímido orgulho uma escultura que lhe ofereceu o poeta e artista plástico, intitulada "Adeus que me vou embora", um trocadilho de amigos entre uma canção de Paco e a crítica a Oliveira Salazar.
Entre os momentos de felicidade artística refere a composição de "A minha 5ª sinfonia", com Pedro Bandeira Freire, um companheiro com quem gosta de trabalhar e com quem fez muitas canções.
"Em 'A minha 5ª sinfonia' falámos de coisas de dentro, de ternura, de emoção e não foi considerado piroso. Não vale a pena gravar coisas novas, porque Portugal é um país que trata muito mal a sua cultura. Somos talvez o país onde se investe menos na cultura, onde se respeita menos a nossa língua, a tradição, a arte".
Hoje "não vale a pena voltar a compor", atesta, pois "não há quem nos oiça", e aponta o dedo à política que se faz nas rádios onde "a música portuguesa não passa".
Razões para se retirar da música, regressar ao Alentejo, mas continuar atento às coisas, e, quanto a cantar, dispara: "cantar, cantarei sempre para quem me quiser ouvir".
Sente-se "a remar contra a maré" pois falou nas suas canções sobre assuntos "que só agora se começa a ouvir falar".
Todavia considera que valeu a pena: "Tenho muito mais felicidade e tive a sorte de terem aceitado a personalidade que tenho" e sublinhou: "Comecei com nada e tenho muito mais do que mereço, não o consegui roubado".
Segundo o autor de "João Saramago", "não se consegue viver honestamente da cultura e da arte em Portugal sem alguns mecenas".
Cantou o campo, lavradores, deserdados e ciganos, quando os outros "só falam deles quando ganham alguma coisa", mas lamenta que "ninguém o percebeu".
Além das cantigas reconhece: "Criei conflitos e atritos porque não sou aquele bobo" e cita o caso que levou á sua suspensão da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) e sua posterior reintegração.
"Quanto á SPA provei perante a razão que uma mentira por muito apoiada que seja só se torna maior e que a verdade é sempre a verdade e aí foi a minha verdade", disse, afirmando que é um orgulho seu.
Actualmente diz-se "satisfeito com algum descanso que foi dado à SPA, que era a chacota nacional, quando estava na mão de três ou quatro pessoas".
Mas, não deixa de inferir, "Manuel Freire [actual presidente da SPA] é um homem bom, é um dos nossos, um cantor, um baladeiro, um homem sério, mas à volta dele lá está aquela pandilha que já vinha de trás, que disseram que sim ao Luiz Francisco Rebello, a tudo, e depois correram com ele, e não gosto dessa gente pois não se pode estar nos dois lados ao mesmo tempo, ubiquidade intelectual não existe".
Rende homenagem a Luiz Francisco Rebello que enfrentou nos tribunais, "por ter elevado" a SPA, mas diz que "devia saber retirar-se" como ele próprio vai fazer agora.
De 40 anos de cantigas e 62 de vida fica esta máxima: "os aplausos não valem nada, se valessem não se davam, eram trocados por notas".
Lusa/Fim
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