Jelena Radan enamorou-se do fado em 2000 ao ouvir um disco de Mísia. Como se tivesse encontrado um tesouro perdido, a cantora croata dedicou-se de corpo e alma ao fado e já tem dois discos gravados em português. Na semana passada cantou em Nova Iorque.
Aprendeu fado de ouvido. Com a ajuda da Net e dos discos
Na primeira vez que ouviu fado sentiu "uma urgente necessidade de ouvir muitas e muitas vezes". Foi nos bastidores de um concerto em Split no ano 2000, onde fazia os coros de Goran Karan, um popular cantor croata influenciado pela música tradicional da Dalmácia.
"Queria ficar sozinha e ouvir. Simplesmente ouvir. Sentia que tinha descoberto um tesouro perdido e queria escondê-lo." Tratava-se do disco Garras dos Sentidos, de Mísia, e o tema que "nunca" esquecerá chama-se "Dança de mágoas", em que Mísia canta Fernando Pessoa: "Como inútil taça cheia/que ninguém ergue da mesa/transborda de dor alheia/meu coração sem tristeza."
Cantora profissional, o fado surgiu na sua vida como paixão íntima: "Nunca pensei que alguém pudesse estar interessado em ouvir-me cantar o fado. Era para mim um prazer, mais do que qualquer outra coisa." Até que no Verão de 2005 decidiu começar a ensaiar com a sua banda, porque sentia necessidade de "expressar" os seus sentimentos através do fado, transformando-o "num caminho musical e profissional paralelo".
"Quando ouvi Amália Rodrigues penso que já estava pronta para esta aventura. Senti um enorme respeito. Havia nela qualquer coisa de nobre", explicou Jelena Radan, respondendo às nossas perguntas enviadas pela Internet.
Começou a cantar pop-rock profissionalmente aos 18 anos, depois de ter passado por uma banda adolescente. Fez coros, andou quatro anos a fazer musicais e cantou temas em inglês com uma banda chamada Meritas (no youtube.com pode encontrar-se uma versão de "When Tomorrow Comes" dos Eurythmics). Ninguém na família tem qualquer ligação com Portugal ou o fado e Jelena garante que a mãe ficou tão surpreendida quanto ela com os seus primeiros concertos em português.
Estudou fado de ouvido, primeiro. Sozinha com a ajuda da Internet e com os muitos dis-cos que foi comprando. Recebeu conselhos de amigos que lhe deram CD, filmes, livros e, finalmente, estabeleceu uma parceria com Dean Trdak, tradutor e professor de Português (que traduziu, entre outros, José Luís Peixoto para croata) com quem está a estudar não só a língua, como também a cultura, a música e a história de Portugal.
"Encontramo-nos duas vezes por semana durante quatro horas e trabalhamos na pronúncia, na gramática, nas canções, nos intérpretes... Vou percebendo as letras, estudando o significa-do dos versos em longas discussões com o Dean", contou a cantora.
No princípio, o gosto de Jelena pelo fado parecia algo excêntrico aos ouvidos dos croatas, hoje o caso parece ter mudado de figura. "Fiquei muito surpreendida ao ver tanta gente interessada em ouvir fado", embora, acrescente, haja ainda muita gente que "nunca ouviu falar" deste género musical tão português.
Cantou um pouco por toda a Croácia e agora está a planear fazer alguns concertos nos países limítrofes. Aproveitando a sua passagem pelos Estados Unidos, para uma tournée com o grupo Meritas, Jelena foi convidada para dar um concerto de fado numa galeria de arte de Brooklyn, em Nova Iorque.
"Foi muito íntimo, caloroso e estava a chover, como em 80 por cento dos meus concertos. Havia americanos, croatas e portugueses na assistência. Um casal português veio ter comigo depois para me congratular e perguntei-lhe: 'Compreendeu tudo?' Ao que me respondeu: 'Sim, sim, talvez pudesse ter pronunciado melhor algumas coisas. Mas, Jelena, a música da sua voz e a forma como interpreta as canções, isso, sim, é que é importante. Não me interessa de onde é...' Naquela noite, Beledo, guitarrista uruguaio, e eu, uma rapariga croata, interpretámos fado..."
DN
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